Thursday 7 July 2016

Introdução - Apresentação do disco Obaluayê (Orquestra Afro-Brasileira, 1957)




Este ritmo binário que é o alicerce principal de quase todos os ritmos da canção popular no Brasil veio importado de longe das plagas ardentes da África onde o sol queimou a pele dos homens até carbonizá-la em negro. O compasso tão simples que reproduz em tom grave as batidas do próprio coração atravessou o atlântico sob a bandeira dos navios negreiros, servindo para marcar o andamento de melopeias que vinham dos porões em vozes  gemidas e magoadas.

Chegou, chegou
O rei congo, Rei,
Chegou, chegou

Quando os negros escravos aqui desembarcavam em magotes vinham com eles latejando nos peitos magros e sofridos as batidas selvagens dos atabaques da terra africana. E escravos continuavam chorando suas revoltas contidas

Chegou, chegou
O rei congo
Rei, chegou, chegou 


Mas o homem é um animal que se habitua, o negro africano escravizado teve seus dias folga seus momentos de festa e também seus amores que começavam no galanteio das danças, macho e fêmea – escravizados – se libertavam no amor e para festejar essa primavera de emoções, outros instrumentos de percussão entravam em cena iluminando o andamento das cantigas para dança. 

Está batendo o coração soturno do mais grave dos atabaques, o rumpi, fazendo bordaduras acessórias, juntam-se a ele os tons mais agudos dos atabaques menores, o e o rum, o som metálico e suave do fio distendido é do urucungo, que ornamenta o conjunto fazendo ritmo sincopado. E vem o adejá uma espécie de sienserro, ajudando na marcação do tempo fraco. 


O tempo forte vai ser preenchido por outro som metálico o do gonguê; o agogô são das campanas cujas batidas marcam o passo dos bailados. E vem num grave gemido que se alonga pelos tempos do compasso a voz da angona cuíca, a vó africana de voz grossa da jovem cuíca das escolas de samba. Os últimos detalhes são dessa renda de ritmos são realizados pela cabaça de contas o afoshè e pelo ganzá grande chocalho de tubo metálico, nessa altura o Maestro Abigail Moura mergulha em espírito no passado das senzalas e traz do abismo dos tempos as angustias e alegrias do negro escravo que ajudou no trabalho e na cantiga a libertar essa brasil de hoje e de sempre.
 


Chegou, chegou
O rei congo, Rei,
Chegou, chegou
Só em meu Te[r]ra,
Eu fui Rei.