Este
ritmo binário que é o alicerce principal de quase todos os ritmos da canção
popular no Brasil veio importado de longe das plagas ardentes da África onde o
sol queimou a pele dos homens até carbonizá-la em negro. O compasso tão simples
que reproduz em tom grave as batidas do próprio coração atravessou o atlântico
sob a bandeira dos navios negreiros, servindo para marcar o andamento de
melopeias que vinham dos porões em vozes
gemidas e magoadas.
Chegou,
chegou
O rei
congo, Rei,
Chegou,
chegou
Quando os
negros escravos aqui desembarcavam em magotes vinham com eles latejando nos
peitos magros e sofridos as batidas selvagens dos atabaques da terra africana.
E escravos continuavam chorando suas revoltas contidas
Chegou,
chegou
O rei
congo
Rei,
chegou, chegou
Mas o homem é um animal que se habitua, o negro africano
escravizado teve seus dias folga seus momentos de festa e também seus amores
que começavam no galanteio das danças, macho e fêmea – escravizados – se
libertavam no amor e para festejar essa primavera de emoções, outros
instrumentos de percussão entravam em cena iluminando o andamento das cantigas
para dança.
Está batendo o coração soturno do mais grave dos atabaques, o rumpi, fazendo bordaduras acessórias,
juntam-se a ele os tons mais agudos dos atabaques menores, o lê e o rum, o som metálico e suave do fio distendido é do urucungo, que ornamenta o conjunto
fazendo ritmo sincopado. E vem o adejá uma espécie de sienserro,
ajudando na marcação do tempo fraco.
O tempo forte vai ser preenchido por outro
som metálico o do gonguê; o agogô são das campanas cujas batidas marcam o passo
dos bailados. E vem num grave gemido que se alonga pelos tempos do compasso a
voz da angona cuíca, a vó africana de voz grossa da jovem cuíca das escolas de
samba. Os últimos detalhes são dessa renda de ritmos são realizados pela cabaça
de contas o afoshè e pelo ganzá grande chocalho de tubo metálico, nessa altura
o Maestro Abigail Moura mergulha em espírito no passado das senzalas e traz do
abismo dos tempos as angustias e alegrias do negro escravo que ajudou no
trabalho e na cantiga a libertar essa brasil de hoje e de sempre.
Chegou,
chegou
O rei
congo, Rei,
Chegou,
chegou
Só em meu
Te[r]ra,
Eu fui
Rei.