Sunday 25 March 2018

CÂNTICO NEGRO


"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse 
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!
José Régio

https://www.youtube.com/watch?v=eyikhVgBA8o

Saturday 24 March 2018

nagô-bantupi-guarani


nossa nação 
tem erê,
faz toré
é juremeira,
nossa nação
não tem “Deus”,
tem orixás
inkisis e voduns,
caboclos, guias;
a bandeira de nossa 
nação é Aruanda
é a Terra sem Mal, 
nossa nação
é “americana”;
nossos signos são:
o genocídio
o memoricídio
e etnocídio.
Contra o império
moderno da força
com usos e abusos
da violência.
nossas aldeias
e povoados
e acampamentos
e ocupações
e terreiros
estão em perigo,
a ofensiva fascista
pede a guerra civil
brasileira,
deliberada pela mídia,
deflagrada nas ruas
desde junho de 2013
e desta vez
pode fazer tudo isso
que conhecemos
como liberdade
desaparecer
novamente
da face do país...
quem sabe
seja esse
o tempo.

Thursday 22 March 2018

RAP - SABOTAGE


Eu sei, eu sei, que p/ uns (de repente?) o rap virou moda, que agora é a onda que dá grana pros jovens e tudo o mais. Só que antes de todo esse papo tem um anteparo, que foi de virada p/ lá, pra depois de cá enquanto a gente ainda engatinha. A encruzilhada cruzou caminhos e destinos, das ruas ao crime, das bocas aos palcos, ao cinema, mas tudo, tudo isso e muito mais sem esquecer a família e sua quebrada.

"Eu acho que o jovem de hoje em dia deve ler e se informar
Ver bem as coisas como são
Pra poder contestar as coisas de forma clara
Não só rimas em vão"

Como me disse Dj F3lip3 (Us Pior da Turma/Na Tora Baile System/ Ibori Records): "tá de kéké, néh?" Eu tô e quem de nós num tá, né meu mano? Vendo tanta coisa que acontece aqui e lá, por aí. (preto na rua é alvo/ fique esperto / senão entra no saco.) Então, sigo aqui fazendo o trampo, o verso passando a limpo, em silêncio e pensando, como é que aqui se escreve o Brasil e os brasis, como o que aqui não se conta, enquanto o rap se escreve.

"Algo no ar, contrariado nêgo chega
Pra reclamar fortes momentos de tristeza
De um gás que sobe (Gás que sobe)
Parceiro truta forte, ih ihh"

E o cara que segue aqui em letra e voz, abaixo, fazendo o que devemos, sempre, parece que precisou partir p/ que sua msg ficasse + forte e atual, ele até hoje ensina contra a auto-sabotagem, contra a trairagem, e faz sempre a malandragem se lembrar que "Canão foi tão bom..." num foi não? O corre é necessário, sobreviver é não pagar de otário, todo dia, porque "se não fosse os besta, os sabido não vivia".

"Quero Axé, do Brooklyn ao Canão
Vejo os irmãos e vou na fé, assim que é
Eu quero Axé, do Brooklyn ao Canão
Vejo os irmãos e vou na fé, assim que é"

S A B O T A G E, V I V E ! C A N T A N D O P R O S A N T O!

<<< Onilê, o Pai Ogum, Ai ei eô, Mãe Oxum
Filho de Zambi, cansado de ver sangue aqui na Sul
Odara, Odara ao povo preto, seja obsoleto
Talvez mais ligeiro faça tudo em segredo
A liberdade vem primeiro, meu clone, meu espelho
Sem sossego, sem emprego, no perreio, daquele jeito
Peço ao boiadeiro ouça ao meu apelo
Povo está crescendo fique atento Odin, ordene o vento
No Mar um barco pra remar tem que ter remo
Independente não de mim, mas também sim,
Vários pretos
A criançada faz do Rap seu espelho
São Cosme Damião, dê-lhês proteção
Na saída do Campão, na final do Conringão
Na passeata do Centrão, paz para o povão
Ozazie, Sheiks na Bahia Baiano
Seja escudo deste mano que se encontra em pranto
Que por engano, tretou com fulano
Hoje é seu dia, perante a lei do homem o cano
Ó senhor que gire o mundo eu peço agô pro suburbio
Existe força suprema problema pra ciência
Lá no Canão somente Deus me dá certeza
Das incertezas, inclarezas que seus filhos faz
Ôs perdoe pai, eles não são capaz de viver em paz
De forma irracionais ambiciosos
Se lembram de Jesus pra ir ao pódio
E em seus olhos vejo um ódio diabólico
A figura do senhor tá sempre em pele de leprosos
Aquele que nasceu porém, em Jerusalém
Fora traído, porque do inimigo quis o bem
Sem pesadelo, na paz ou por inteiro
Demorô aqui estou de mente afoita, ligeiro
Me dê ao menos tempo pra orar
Pedir pra Oxalá me preparar pra fama
Bate cabeça no Congar só na manha
Vou tomar banho de Abô, nas ervas de Aruanda
Quem não conhece enfim eu sei dê fama
Mas nada contra
Várias demandas arrematadas na umbanda
Zé, em quem carrego a fé desde criança
Deus menino meu pastor, console a nossa dor
Guerras, intrigas de familia é um horror
Nossa senhora olhe por todos, Jesus faz pelo povo
A Terra, a água, o mar e o ar e a natureza eu posto
Santa Clara clareou, agora aqui estou
De mente erguida vou que vou, vou no Cristo Redentor
De graças ao senhor sem dinheiro e com amor
Lutou e conquistou, culpados perdoou
Quem crucificou tentou provar que não errou se apavorou
Ao ver que Deus menino então ressuscitou <<<

Wednesday 21 March 2018

A Serra da Capivara


Desde o fim do ano passado que me pego pensando na Serra da Capivara. Não à toa, decerto. Em conversas com uma interlocutora que acabara de voltar de lá, na época, descobri estranha vontade de conhecer este lugar, talvez nada de incomum haja nessa vontade, ou seria meio óbvio para uma antropólogo visitar o Museu do Homem Americano, ou tentar meditar in loco sobre como haviam ancestrais africanos no interior do Piauí, antes mesmo dos ameríndios (antes mongóis), via Estreito de Bering, chegarem por essa bandas. Desde o achado do crânio de Luzia, no interior de Minas Gerais as dúvidas sobre datações se alargam. Li em algum lugar sobre uma possível caravana marinha em direção a América de um antigo povo africano escapando de alguma adversidade natural no continente, mas, assim como não se tem outras respostas, ficamos com as hipóteses. Mas nesse caso, as melhores. Curioso foi ano passado ter conhecido inclusive uma arqueóloga de lá de Teresina, num seminário aqui na UFPE, em dezembro, sobre o indigenismo e povos indígenas. Uma pena não termos conversado muito sobre o sítio arqueológico da Serra e as questões fantásticas que nos envolvem e a este lugar. Esses dias, diria não por acaso, me dei com um documentário sobre a criação do Parque Nacional e sobre processos de indenização e relocação dos nativos, bem como sobre formas de garantia de trabalho e renda para os moradores locais a partir do turismo já que a agricultura é dificultada pelo solo e pela pouca chuva da região. A patrimonialização, as pesquisas, os investimentos estrangeiros, os interesses locais e nacionais, a voz da Niede Guidon ecoando, tudo reunido parecia apresentar um projeto que não poderia ser fadado ao fracasso de seu alcance e potencial de transformação, seja pela formação de novos arqueólogos (via Univasf) ou pela articulação da cerâmica com a vida cotidiana dos nativos. Mas o que parece ser um projeto de futuro (via os ancestrais) ainda nos deixa incertos quanto a sustentabilidade do Parque e a viabilidade da proposta em desenvolvimento, face as tratativas com o Estado nacional e as limitações das ações da Unesco. Mas, sobre tudo o que vi e ouvi e tenho lido sobre a Serra, para além da minha atual fixação com o verão, acho que o fato de que as andorinhas canadenses veem em bandos passar essa época do ano por aqui pelos trópicos do nordeste, não me faz duvidar que outras espécies ou inclusive antigos grupos humanos já a muito tempo tenham descoberto essa rota, algo como uma memória da vida terrena, algo como uma solução da natureza para tantas adversidades e assim, acredito que se tenha encontrado nesse caminho até Canto do Buriti, São Raimundo Nonato ou São João do Piauí, ainda que com um Coronel José Dias, pelo meio, a forma de esculpir o tempo, em traços, riscos voos. Enfim, por esses dias, ainda h-ouve um poema lá no animítico: "poema do homem americano”.

Tuesday 20 March 2018

MEDITAÇÃO CHILENA


A essa altura lembro-me do texto de agradecimento de Zurita pelo Prêmio Iberoamericano de Poesia Pablo Neruda que circulou aqui na rede, meio como um viral para poetas e literatos que ainda estão nas redes sociais. Por esses dias, o Chile anda por perto, perto demais, ronda-me em espectros. Ontem Parra, centenário; Bolaño, realista-visceral.

O Brasil temerista, tão nazi-fascista quanto outras ditaduras, nos evoca nossos próprios fantasmas. Os poetas (se perguntam?) o que podem contra tal e tamanho estado de coisas."Oarmarinho", livro novo de Laura Castro, nos ensina palavras como "fiquesão". Fique se puder, se souber, se estiver ainda em sua própria estação. Eu, assisto sombras passearem contra luz da luminária lamparinando pensamentos.

Recordo, agora, não por acaso, de ter conhecido e convivido com a Barbara Martinoya Vicuña, irmã de Cecília Vicuña, artistas chilenas ligadas às lutas contra a ditadura,em seu país, assim como Zurita, (via Santiago e o deserto do Atacama.) Lembro-me de Ramona, sua personagem/modelo preferida representada em tantas telas que a mesma fazia por toda a casa em óleo, guache, carvão. Acabei de descobrir que preciso escrever algumas coisas que ando guardando.

Estão se esgotando as horas da vida por aí, andam nos esganando em silêncios. Camisas pretas nas áreas, de serviço a cavalaria desfila e desafia o cotidiano das ruas e botas pretas perfumadas de sangue esmagam as flores nos nossos jardins, lentamente. Não me digam, não me deixem dizer nada que seja um som soturno ou uma resposta banal à qualquer um dos absurdos incomunicáveis desses dias.

Como vespas cegas contra as luzes que faíscam sinais silenciosos e cigarras que zoam e urram as seis e meia, toda noite há uma série de fugas noturnas pelas teclas, pelas telas, pelos cômodos das casas, inúteis escapes, forças futuras renderão, incontornáveis fraturas, incontáveis torturas, carnaval e suicídios, romances e antipoemas são suplícios para um verão selvagem onde "As mentiras são tão fortes quanto os assassinatos. Um país que mente sobre a ditadura é um país não solidário, egoísta, arrivista, individualista".
Saturninos, meditamos.

Monday 19 March 2018

PARA KZA 1


essa língua/linguagem trans-pós-tropicalista (?) da new left literária brasileira...como/amo essa poesia tetraédrica (quase penta-(e)-idílico-hexa-sem CBF, só na rússia de putin e maiacoviski! ! ! "pum pum pum enjoada" no polidiagonal gesto piramidal multi-performático e plus-virtu-transcendental do post. carne material da leitura feita de letras do desejo de ser-vivente, numa ontologia do verso sob a cosmogonia da américa (maia-tupi-mapuche e além...), heróica e não homérica, sáfica e não pindárica, pluto-estende-o-Arco (pára) Paz-dá-à-Lira um tornar-se ânfora latina e africana, palavras : - ) continente de fogo e fósseis : - ( cuba-libre, chile-libre, brasil-libre e que o verso livre livre livre não só a imaginação no voo, mas tb o nosso carma da cama de Procusto. Axé. Boa Feira, Galera, que Exu opere nesse mercado para o bem de todos.

QUE EXU OPERE NESSE MERCADO PARA O BEM DE TODOS !

Sunday 18 March 2018

S/ TÍTULO



espalhados
por vasta região
- entre potência e
realidade -
cabos
e conexões
de energia
em trocas
o mundo
 (descartável?)
dança em
gira cósmica
carnaval
é esse aqui,
o conheci
dentro de mim,
&
passou,
bem diferente
o poema:
frase que
te cala
com palavras
de chuva
&
a natureza
é um relógio
sem descartes.
Fev. 2018.

Saturday 17 March 2018

AKIRI




Num mar imóvel
movimentos momentâneos;
Num labirinto espelho
marulho e maresia.
Uma sinuosa sinfonia sinestésica
anestesia a máquina azeitada dos dias.
Moer as pedras nos moinhos da maré
não mais confusos os movimentos de teus pés.
Marcas na areia são trilhas de alforria
que a branca espuma vem tentando desfazer;
E às ondas, passos vêm reescrever,
caminhos de memórias que percorrem
Percursos, povoados, rituais contra-artimanhas
rezas, mitos, mortes e montanhas.
Nessa aventura de ancestrais por entre as eras
que em mistérios a Sol e Lua reverbera
Todo um tempo de quimeras e quereres
afiados em relâmpagos, lâminas de luz,
que laceram a escuridão e seu capuz
como quem corta a cabeça do inimigo
E se ilumina ao se acolher no abrigo.
Fev. 2018

TODO PAI É UM PANTERA NEGRA


Não há quem ignore 
as palavras “Pantera Negra”. 

Não há negro, 
branco ou índio 
que não tenha ideia 
do significado 
e dos sentidos atribuídos 
a esta expressão: 

– Panteras Negras, 
o puma, a onça, 
o jaguar das Américas 
é um animal ancestral. 

A memória deste animal 
une-se a experiência política 
moderna dos povos
que encontram neste símbolo

um signo de resistência 
e transcendência, 
para além do totem 
ou da imagem, 
figuração ou alegoria, 
seja artística ou do mito.  
















Filho, esse sorriso de sonho, essa sorte destemida, essa coragem investida em tudo, no todo, uma vida, não há maior milagre.


Friday 16 March 2018

A felicidade do negro é uma felicidade guerreira!


Difícil é quando você tá vivendo o melhor momento da sua vida pessoal, profissional, espiritual aí você se vê no meio de uma grande injustiça.(Que Xangô se faça presente! Kawo Kabiesilê). Só que teu Orí não te abandona, nem se esquece, tua memória ancestral funfun te ensina que a mentira é tão poderosa que a sua única verdade é ser desvelada, aí a primeira coisa que vem a sua cabeça é frase: "A felicidade do negro é uma felicidade guerreira". Os irmãos e seres de luz, em vigília, de dia e enquanto durmo, me fortalecem e me dão sustento. É mais que testemunho, é missão mesmo. A vida é missão de aprender a viver e saber doer e passar, saber resistir e estar, o resto pouco importa, o que importa é saber passar e deixar que os ventos levem e tragam, o faço e o que me fazem. Aí Exu te responde (Laroyê Bará, Exu Odara), aí Yemanjá (Odoyá!), que é Mãe, enquanto dormes te responde, te amostra, te escreve a carta da cura contra o engano, para que se corrija o erro, a injustiça. Aí você acorda, pensando em algo que leu ontem, que “Orí é o primeiro a nascer e o último a morrer”, então Ogun te diz: "Minha espada espalha o sol da guerra /Rompe mato, varre céus e terra/A felicidade do negro é uma felicidade guerreira/ Do maracatu, do maculelê e do moleque bamba", ah...e como se eu não fosse negro, como se não fosse um moleque bamba, como se eu não estivesse na terra do maracatu, terra de calungas e eguneguns, soltos pelas ruas e ladeiras sangradas por nossos mais próximos ancestrais. Nós, filhos e filhas de Dandara e "Zumbi, comandante guerreiro/Ogunhê, ferreiro-mor capitão/Da capitania da minha cabeça/Mandai a alforria pro meu coração". A essa altura Gilberto Gil, mais uma vez me diz que não preciso dizer, nem pensar mais nada, só sentir: gratidão, amor e paz. Meus guias seguem por mim aqui no Ayê, no Orun ou em Aruanda (Xetruá Caboclo Boiadeiro, meu pai, a benção,Tupinambá e Sultão das Matas firmes combatentes e caçadores) guerreando e assim "Minha espada espalha o sol da guerra/Meu quilombo incandescendo a serra/Tal e qual o leque, o sapateado do mestre-escola de samba/Tombo-de-ladeira, rabo-de-arraia, fogo-de-liamba". E por isso tudo e por que sou poeta, irmão fantasma da palavra, gêmeo do absurdo, semelhante ao átimo genético da criação do ar, do fôlego, do sopro que corre em ritmo de floresta silvando a noite porque respira pelo ventre da mãe terra através das raízes das gameleiras, sumaúmas e outrantas esferas sanguíneas da criação de que somos todos partes infímas e iguais, formas genéricas da perfeição aparente diluídas em linguagem pura e tantas vezes vã, é por isso tudo e porque sou poeta que "Em cada estalo, em todo estopim, no pó do motim/Em cada intervalo da guerra sem fim/Eu canto, eu canto, eu canto, eu canto, eu canto, eu canto assim:" em refrão, coro, arranhando a garganta:
A felicidade do negro é uma felicidade guerreira!
A felicidade do negro é uma felicidade guerreira!
A felicidade do negro é uma felicidade guerreira!
Por que se não for assim, não vai, se não for cantando e sangrando a alma em palavras a vida não vinga, nem há vitória que valha, não há prazer que se goze calado, só a dor e a humilhação é que se come calado, mas o amor a vida vivida em sua intensidade é a única música possível, som deslizante dos dias, trilha sonora dos anos passados e futuros, sangue, sangue, sangue negro não é a água da banheira não, muito menos aqui no "Brasil, meu Brasil brasileiro/ Meu grande terreiro, meu berço e nação/Zumbi protetor, guardião padroeiro/Mandai a alforria pro meu coração".
Axé ôoo,
A bença
pra quem
é de bença.



Thursday 15 March 2018

Vis-a-vis Comportamento Geral.


Pode parecer irônico, cínico ou até mesmo engraçado se não fossem ambas, a farsa e a tragédia, numa dança em círculos e elipses concêntricas que apagam as oscilações e só se voltam para si, ou seja, para a centralidade do poder, para a agência da dominação. Vis-a-vis o modo operante de um Estado fascista. Pode parecer crítico, ilustrado ou até mesmo digno, mas produzir a crise para ter direito a ser injusto é o pior dos crimes. Lesar a harmonia em relações sociais e contratos intra e inter-étnicos pelo prazer do desvio ao justificar o excesso e a opressão via hegemonia econômica, política e ideológica é caso comum. Vis-a-vis o modelo de contrato de um Estado facista. Fragmentação, contradições, desequilíbrios viram a norma quando se usa um totem ou uma bandeira diante da qual muitos se curvam, para ter um exército em exercício nas ruas a fim garantir seja lá o que for que se chame autonomia ou governabilidade é sem dúvidas um ato arbitrário de (des)controle da hierarquia social. Vis-a-vis a maneira de atuar de um Estado fascista. Ao se erguer o cenho, franzir a testa, esbravejar em gestos, altear a voz nas rádios, televisão, nas redes e mídias sócias e sociais são sentidos sintomas dos sinais dos tempos em que a crise dos sistemas não significa a crise dos paradigmas ou dos códigos de programação que organizam os sistemas, seja o de informação ou da supremacia branca capitaista. Vis-a-vis o jeito dos regimes de um Estado fascista. A necessidade da fuga, da fusão, do auto-engano, do engodo, da pura e simples mentira ou a nobre arte da omissão e do não sei ou do me esqueci é ao que parece e tudo indica o caminho que se percorre ao voltar para a casa de sua gente ou mesmo entre os entes queridos quando se trata com amigos ou inimigos neste terreno minado das relações em épocas tão instáveis como esta. Esta na qual basta-se ter um ponto de vista minimamente oblíquo ao do mais próximo que já se tem o bastante para olharmos com desconfiança e insegurança que generalizadas por nossas feridas históricas nos remetem a lugares de memórias inscritos em nossos corpos negros que consubstanciam o sofrimento total de tudo ao sentimento que impele a necessidade urgente de emancipação e agência do e sobre o próprio corpo, casa e coração. A menor brisa que possa correr entre as arestas de nossos edifícios morais, éticos ou ancestrais como no caso do eco do grito de liberdade ameaça as estruturas das ordens criadas e impostas como normas, como verdades que de velhas nos vencem por dentro sem que possamos querer ao menos acessar ou dar espaço ao novo ou aceitar as condições de possibilidade de sua emergência. Vis-a-vis a situação vivida pela "democracia" em dias de totalitarismo arregaçado. A autopromoção, a necessidade de protagonismo, a inveja, a desconstrução deliberada de grupos e sujeitos, a desfaçatez da sabotagem, esse clima de hostilidade, a empáfia da soberba, a arma sempre apontada antes mesmo do ataque, a incomunicabilidade, a incompreensibilidade do diálogo, a interdição da narrativa, o silenciamento da narração, a censura contra o narrador(a) marcam a vivaz violência em campo aberto e a fogo de alta intensidade contra irmãos, irmãs, negros, índios, mulheres, pobres, trans, queers, velhos, crianças. Vis-a-vis o pagamento recebido pelas diferenças em regimes de alteridade seletiva, machismo e misoginia endógenos, preconceitos, discriminações e racismos vários (seja ambiental ou institucional) quando ainda mais o Estado é mais-que-fascista. A crítica da crise é começo da superação. A autocrítica é o começo da nossa própria cura. Vis-a-vis como o Estado fascista combate, condena e extermina o nosso povo, como quem vê dentro de si (no outro, mais um de nós mesmos) o germe da mudança e transformação que deve ser destruído por ordem do pensamento conservador que não pode encontrar lugar para esse outro, em seu arquetípico estilo de vida, "Estado de Sítio" constante contra si tão bem arquitetado por anos e anos a fio, elo a elo pelas cadeias dos séculos. Vis-a-vis a fundação enferrujada e militarizada que mobiliza ranços e rancores, medos e temores em direção ao horror terrificante, ao terror paralisante. Vis-a-vis a sinfonia muda da morte, a aguardente em seu último gole, o gol perdido no infinito dos acréscimos, a última ameaça disfarçada de lei no último discurso do general ou na canetada canalha deste ou do próximo presidente. Estou cansado, estamos, mas precisamos continuar a organizar as guerrilhas, os quilombos, as aldeias e fazer tudo isso sem esquecermos o samba, porque a nossa melhor forma de protesto é viver nosso amor honesto, sermos pretos e estarmos sempre perto.
Mar.2018,
Olinda, Pe.

Wednesday 14 March 2018

CONVERSA


[L:]
São Jorge ele vem pra batalha
riscando faca
rasgando verbo
São Jorge ele vem a cavalo
e estraçalha
[C:]
Ele vem, vem
Ele vem de Istambul
E aí nem Ogun fica tão distante de Bizâncio
ou Constantinopla assim
Ele vem sim
E vai até o fim, fim.
[L:]
capa tudo,
capadócio!
não deixa sobrar
nem um
(organizando as parolagens achei isso, Ogunhê! & Oke arô!)

Seleção e edição Luísa Valentini.

Tuesday 13 March 2018

DESVAIRADA 2018


Eu que não mato um leão por dia, mas cavalgo dragões dentro de mim, estou sem palavras depois dos últimos dias. Por isso muita demora em estar aqui, mas pela graça da gratidão, lá vão! Algumas palavras sobre a Desvairada (2ª ed.) que me atravessam a garganta até hoje e que vão continuar me atravessando a alma por um bom tempo. Esse momento, uma Feira, um Mercado na sexta-feira, Exu operando em alta em dia de Oxalá, não à toa o macumbe-se não chegou a tempo, mas Benjamin esteve lá comigo e fizemos a maior festa entre velhos amigos e novos conhecidos. No sábado, o Benjamin não foi, mas com a permissão das Yabás e de Exu, eu e a Kza 1, fizemos uma bela participação no rolê. 


Foto: Fabiano Calixto (Stand Livraria/Sebo Nina - Kza 1, Desvairada, SP, 2018)

A nossa editora levou junto com o macumbe-se, o "Postagens e Antipostagens" do Luiz Guilherme, o "se te amarrarem na estrada" do Heyk Pimenta e "o desastre que não nos olha" da Letícia Feres. A saída que elabora o efeito evento, foi realmente a distribuição encontrada por Fabiano Calixto, Natália Agra, Marília Garcia, Leonardo Gandolfi e Tiago Marchesano para, entre tantos autores e tantas editoras, gerarem um espaço dinâmico e criativo que ao reunir desde a Luna Parque, a Crisálida, a Corsário Satã, OEP, treme ~ terra,  Porta Aberta, a Boto-Cor-de-Rosa (com o pré-lançamento do novo livro do Ederval Fernandes), entre tantas outras iniciativas editoriais, conseguirem reaquecer com estilo e personalidade a presença daqueles e aquelas que estão atuando na vida literária brasileira atual. E em meio a tudo uma nova editora carioca, direto de Vila Isabel para o mundo, através do Thadeu C Santxs e Vinícios Melo, sem esquecermos a Nina, sebo e livraria, que vem junto.




O risco que traça o movimento deste ato, a agência das palavras, é a chance de não nos esquecermos de nós ou de algo ou de mais alguém. Além do mais, palavra anotada não se revela à toa, nem conta ou escreve seu mistério, ela enevoa e se dissipa, ela marulha e arrulha, nas asas das ondas e nas espumas do voo. Recuperamos o fôlego do sopro em versos, em cada anúncio e enunciado, em cada criação do verbo vocalizado.


Projeto gráfico do macumbe-se, por Thadeu C Santxs

O improviso deixa o riso nervoso e o desespero drástico, como nas palavras do Reuben (CAVALODADÁ) em DRÁSTICO (Malha Fina Cartoneira, 2018)  o poema "Temporada  de caça ao índio ka' apor" diz: "sentenças vendidas/ por juízes//fazendas maiores que países/" ou então quando Leo Gonçalves, na segunda edição do seu ótimo "Use o acento para flutuar" (Crisálida, 2018) nos diz que "tem osasco tem cabula/ tem rocinha, eu e você/ não permita ogun que eu bula/ com os guardinhas da upp [...] não permita exu que o morro/ se destrua pro lado de lá/ se bandido vier eu corro/ se a polícia vier ratatatá". Por sua vez, Phillippe Wollney em seu "caosnavial" (porta aberta, 2015) enuncia: "entre o tráfego e o tráfico/ a rotina anuncia: um passa-passa senão te passo".

Foto: Thadeu Santxs. (autografando o macumbe-se p/ o R. Lobo)