[OUTROS CANTOS DA TERRA]
“no tempo das catástrofes”
Qual o teu pensamento
antes de adormecer?
O último pesadelo?
Como está o teu ori?
Qual o tamanho
do medo do mundo?
Até quando resiste
a próxima moda:
à próxima moeda,
à próxima esquina?
Avalanche de sangue
descendo a encosta
[no alto da janela,
ressaca
inundando
o
vão da sala
entre poltronas, puf’s e bibliotecas
e os outros cômodos
da casa
– os últimos cantos
da terra.
Turbulências marinhas
acompanham as pedras
que rolam
da
Pedreira,
visitam-me
Oyá e Odoyá –
visitam-me –
o vento rasga o rio,
o raio rasga as águas
que a tudo arrastam,
mergulho em
mágico cogito
contra a sádica
censura – cínica
usura – cegueira
luminosa de vespa
contra o ser irradiado
e sua cabeça
cuspindo fogo,
asas, zumbidos...
a golpes de foice,
faca, facão
a mão contra
a terra atenta
e roça a alma
– lavraquática –
pantanal de si,
por onde atravessam
rebanhos de paisagens...
I.
Há um sol
que sai sob
a gameleira
enquanto ela
(ensimesmada)
me ensina sobre
:
a temperatura das almas,
os poros da terra
e as asperezas
do chão.
II.
Depois,
depois do delírio
dos dedos dos deuses
o delírio da boca das deusas
e seus lábios e línguas de fogo,
lapsos, lacerações de lâminas afiadas
feito foice feito farpas
ou a ponta de uma unha encravada
no canto do dedão do pé esquerdo,
ou um cisco nos olhos vermelhos,
enquanto se insinuam
as trovoadas atravessando as
tardes...
VERÃO 2017/2018
o homem come
a palavra sal,
o sol come
a palavra terra
a terra come
a palavra homem.
se sou eu, ou é você,
melhor, se sou você
ou se você sou eu: essa
é uma ótima questão.
da cabeça emborcada
se esparramam pelo espelho
a planta de sombra que arde,
ácida, iluminada, acima da
luminária incandescente,
coloridas velas perfumadas
na prateleira sobre o cacto,
nas paredes penas penduradas –
araras, pavão, akikós – conchas,
caramujos, sementes espalhadas pelo
chão da aldeia; da ocarina soam
vozes dos antepassados calcinados
ali mesmo: sal sob a terra, elevados
aos céus, sol sobre a terra, em tudo
há paz em doses de pó, um dedo de
deus, uma química atlântica.
IV.
p/ Carla Diacov
a mão,
a mão esquerda
que encampa
a lapiseira
escrevinha
o sangue
da madeira
no veio, na vinha
: sons de sonetos
nos céus do ócio
descem odes de Odessa
em direção ao nada
pelo Mar Negro, de lá
Maiakovski manda-me
lembranças
morte a magnânima magnificência
e esquecimento às montarias aladas
em Montmartre & Montparnasse.
companhias ainda podem
ser revolucionárias,
mas a solidão também,
não as desperdice
por instantes
banais de euforia.
antes a fúria
que a euforia,
antes a foto
que a selfie
não flagre,
antes o
silêncio avermelhado
qual pavilhão oriental
dobrado sobre o soviético
caixão do terráqueo comunista
Mas e a
fome?
V.
o rio parte,
o mar reparte
e os galhos despejam
pássaros aos postes
passando em revoada
pelos fios de alta-tensão
é tempo de muda
e as ruas avisam
(em alarme)
ao menor ruído
–
a porta de saída
está aberta, mas