Saturday 30 December 2017

Ore iê iê ôoo

Ore iê iê ôoo


Flor de fogo

n'água,


ouro-brilho

na superficie

do rio


a caminho

do mar.


Aquela que

na mata


com Oxóssi

caça.


Vai e voa,


mergulha,

pula e nada,



sol marinho,

chama aquática...



Ore iê iê ôoo

Friday 29 December 2017

PULSO

eu vi a pomba

na sombra 
da madruga

eu vi na copa
da gameleira 

a coruja

eu vi pousar 
a cotovia 
piar 
piar 

e que a canção
não seja ou 

seja apenas
sons de lá

de antes, 
de agora 
e amanhã...

não que eu
tenha que te 
lembrar tua 
última mentira
muxôxo ou 
cara-feia.

não, 

não-te 
engane 
o engodo
da hora 
mais absurda
que se revela
ante a ti
e teu semblante 

a mágica dos búzios, 
a máquina dos músculos 
da mente que medita 
a hora que se ajusta 
em orvalho e
há calmaria 
o tempo 
pulso 
e movência
em cândida 
vertigem.

dez.2017

Monday 25 December 2017

POEMA

Todas as telhas
no teto, as suas
manchas úmidas
de sol e chuvas,
cada uma, desenha
um rosto, paisagens
ou, simplesmente,
borrões brotando
na superfície da
cerâmica, talvez
pegadas das patas
de pássaros e gatos,
vegetações, limos, 
líquens, linhas de pipas
e seus cadáveres, ninhos
de pequenos pardais, 
pombos ou roedores
povoando pousos e saltos
lapsos e raptos.

23.12.2017


Sunday 24 December 2017

CANTO-PRATA PARA ORANYAN

                 )))

Obrigado pelo pássaro
branco/prata do alá de

Obatalá feito água-ar
no céu, porção-aérea

da terra-Odudua (a outra
metade da cabaça) geração

da luz e suas partículas
que fez Olodumare-faz:

: montanhas, nuvens:
(chuva que Oxumaré

chama, águas de Oxum
calma-alma na lama de

Nanã,tempestade-de Oyó,
Oyá-raio-ventania-clarão,

luz-azul e púrpura de Obá.
Argenta hora de versos que

honram os ventos com
fé nós-os-pensamentos
:
de amor e unguentos.

20.12.2017



Saturday 23 December 2017

) ) )

·                                                 ) ) )
No côro cru da pele do pandeiro
sob a calma camurça da carcaça,
                         
sob a exposta penugem das asas,
no córtex, no cálcio das conchas,

na celulose da última folha, ora
atuando na medula, ora contra

espasmos da anemia, uma luta
letal de sangue contra sangue, 

palavras pulsam polos magnéticos,
nossas boca pulsam, curam, criam

ventanias e minha voz, um hálito
quente, desenha um arco mágico

e escava esta cratera em teu corpo,
por dentro do oco para anti-matéria

do devir do dia desmembrado em
águas-de-igbíns, mel-arcaico – ato

ácido de formigas cavando a terra,
caminho de pássaros erguendo para

cima o ninho, na madeira, nas telhas
do teto em que se revestem as casas

à caça oculta, bem-vinda, futura, ancestre
em volta, uma máquina de tudo, o tempo,

um máximo de notas mágicas nas páginas... 

19.12.2017


Friday 22 December 2017

EM CONVERSA COM AS ONDAS

tudo aconteceu e
assim que o último
da sua terra partiu
assim que a última
da sua aldeia pariu
o último do seu povo
aquele silencioso
ancião se sentou
a beira do Atlântico
(ou do Índico)
para em clãs futuros
clonar memórias
memórias memórias
o mar mareou as frontes
do outro lado
e tambores abriram frentes
em outras terras
e por todas as águas
todos aqueles nossos
cadáveres marinhos
(não adiados)
ascenderam às terras,
de lá desse outro céu-seu
onde os corpos almas habitam
carnes-e-ossos essas roupas
da matéria à natureza,
sonar de sensações,
por sendas sonoras
que suturam as fissuras
entre o trem e a manhã a
sustentar magias do mar...

21.12. 2017

Thursday 14 December 2017

​[OUTROS CANTOS DA TERRA]

[OUTROS CANTOS DA TERRA]

“no tempo das catástrofes”

Qual o teu pensamento
antes de adormecer?
O último pesadelo?
Como está o teu ori?

Qual o tamanho
do medo do mundo?
Até quando resiste
a próxima moda:
à próxima moeda,
à próxima esquina?

Avalanche de sangue
descendo a encosta
                                           [no alto da janela,
ressaca inundando         
                                              o vão da sala
entre poltronas, puf’s e bibliotecas
e os outros cômodos         
                                       da casa
– os últimos cantos        
                                                       da terra.
Turbulências marinhas
acompanham as pedras
que rolam
                     da Pedreira,
visitam-me
Oyá e Odoyá –
visitam-me –
o vento rasga o rio,
o raio rasga as águas
que a tudo arrastam,

mergulho em
mágico cogito
contra a sádica
censura – cínica
usura – cegueira
luminosa de vespa
contra o ser irradiado
e sua cabeça
cuspindo fogo,
asas, zumbidos...

a golpes de foice,
faca, facão
a mão contra
a terra atenta
e roça a alma
– lavraquática –
pantanal de si,
por onde atravessam
rebanhos de paisagens...




I.

Há um sol

que sai sob
a gameleira

enquanto ela
(ensimesmada)
me ensina sobre
:
a temperatura das almas,
os poros da terra
e as asperezas
do chão.




II. 

Depois,

depois do delírio
dos dedos dos deuses

o delírio da boca das deusas
e seus lábios e línguas de fogo,

lapsos, lacerações de lâminas afiadas
feito foice feito farpas


ou a ponta de uma unha encravada
no canto do dedão do pé esquerdo,
ou um cisco nos olhos vermelhos,
enquanto se insinuam 

as trovoadas atravessando as tardes...




VERÃO 2017/2018

o homem come
a palavra sal,

o sol come
a palavra terra

a terra come
a palavra homem.

se sou eu, ou é você,
melhor, se sou você

ou se você sou eu: essa
é uma ótima questão.

da cabeça emborcada
se esparramam pelo espelho

a planta de sombra que arde,
ácida, iluminada, acima da
luminária incandescente,

coloridas velas perfumadas
na prateleira sobre o cacto,

nas paredes penas penduradas –
araras, pavão, akikós – conchas,

caramujos, sementes espalhadas pelo
chão da aldeia; da ocarina soam

vozes dos antepassados calcinados
ali mesmo: sal sob a terra, elevados

aos céus, sol sobre a terra, em tudo
há paz em doses de pó, um dedo de
deus, uma química atlântica.





IV.

                                                                       p/ Carla Diacov


a mão,
a mão esquerda
que encampa
a lapiseira
escrevinha
o sangue
da madeira
no veio, na vinha
: sons de sonetos
nos céus do ócio
descem odes de Odessa
em direção ao nada
pelo Mar Negro, de lá
Maiakovski manda-me
lembranças
morte a magnânima magnificência
e esquecimento às montarias aladas
em Montmartre & Montparnasse.

companhias ainda podem
ser revolucionárias,
mas a solidão também,
não as desperdice
por instantes
banais de euforia.

antes a fúria
que a euforia,
antes a foto
que a selfie
não flagre,
antes o
silêncio avermelhado
qual pavilhão oriental
dobrado sobre o soviético
caixão do terráqueo comunista

Mas e a fome?                                     


V.

o rio parte,
o mar reparte
e os galhos despejam
pássaros aos postes
passando em revoada
pelos fios de alta-tensão

é tempo de muda
e as ruas avisam
(em alarme)
ao menor ruído
a porta de saída
está aberta, mas
não escancarada.




Monday 27 November 2017

AS SERRAS DE UNA


I.

no silêncio da sala
assisto a boca do dia

amanhecer teu sono
suando as têmporas,

enquanto dormes,

cuidamos do futuro
plantando o fruto

do presente colhido
no passado da hora exata

em que o nó se desata
navegando ao leme atado

ao remo que move as águas.

II.

da aldeia
ao pé da serra

onde caçávamos
eu, eles e elas

vimos o mar
entre nuvens

(da morada de samambaias)
entre as Serras de Una

e esse anarquismo indígena
selvagem Caraíba

– guia indomável.

III.

acordo, e

enquanto
ela faz uma fogueira
de galhos e folhas azuis,

faíscam por dentro das águas
luzes que avermelham o firmamento

a noite logo chega

saímos para encontrar
caititus, locas, elefantes

caçar a cura das memórias,

e (no meio da trilha) um 
bando de bugios comiam

logo na mais próxima aldeia
estamos a refundar as tribos

da terra a povoar 

aos montes os mares y praias 
e a aprender a sarar as pragas.

Thursday 16 November 2017

Yawò dos Orixás E eu Yawò dele(a)!

: : o contorno
do dorso,
a pele
do colo,
a calma
da tez,
da planta
que brilha
em chamas azuis
incendiando a escuridão,
na distância
da surpresa,
que antecipa
a previsão,
presente de
um afeto, futuro :: a curva
do sítio,
onde a luz
se derrama
sobre a noite
e aquece
: as horas;
a cura
que vem,
pela paz
de saber,
que a linha
que liga,
o elo
ao vento,
sopra dentro,
da pedra,
do tempo,
da carne
que inspira
a leveza
de um toque
pra sempre gravar
o corpo no corpo,
corpo que dorme,
sob o sol noturno
e sobre a terra
a mata abraça
e medra a erva
queima e incensa
a hora certa
em que tua cabeça
descansa em meu peito
e que se aninha
em meus braços
teu abraço, arco de mim,
metade não dividida,
como Oxalá e Oduduwa,
amantes numa única cabaça,
a recriar a Terra e tudo que
há e voltará a haver e criar
– amor : :