Wednesday 21 December 2016

ANCESTORS



Como que passado 

por grandes sustos,

como se as palavras 

nos fossem dadas 

pelos mortos, 

pelos primeiros espíritos

(ancestrais da Terra)

árvores ou animais, 

ou uma pedra 

no fundo mar 

segurando a 

próxima inundação 

ou, até mesmo,

de vozes oblíquas

que singram os arcos

que formam o círculo 

que é de compassos 

que traçam em 

palavras sagradas, 

vozes que do nada 

surgem, do invisível

aonde o medo

não pode alcançar.

Tuesday 13 December 2016

BOM DIA, REVOLUÇÃO (GOOD MORNING REVOLUTION – Langston Hughes)

Bom dia Revolução:
........Você é a melhor amiga
........Que sempre tive.
Nós vamos, camarada, por aí juntos de agora em diante.
Ei, ouça, Revolução:
Você sabe, o chefe onde eu costumava trabalhar,
O cara que me deu um ar para reduzir despesas
Ele escreveu uma longa carta para os jornais sobre você:
Disse que você era uma encrenqueira, uma inimiga-estrangeira,
Em outras palavras, um filho-da-puta.
Ele ligou para a polícia
E disse a eles para vigiarem uma camarada
Chamada Revolução.
Você vê,
O chefe sabe que você é minha amiga
Ele nos vê sair juntos
Ele sabe que nós somos famintos e clandestinos,
E que não temos droga nenhuma neste mundo –
E que vamos fazer alguma coisa sobre isto.
O chefe tem tudo o que ele precisa, com certeza,
.....Come até inchar,
.....É dono de muitas casas,
.....Sai de férias,
.....Fura greves
.....Trata de política, suborna a polícia
.....Compra o Congresso,
......E bota banca em todo o mundo –
Mas eu, eu nunca tive o bastante para comer
Eu, eu nunca estive aquecido no inverno.
Eu, eu nunca conheci segurança –
Toda a minha vida, vivi com uma mão na frente
....................E a outra atrás .
Ouça, Revolução,
Somos companheiros, vê –
Juntos
Nós podemos tomar tudo:
Fábricas, arsenais, casas, navios,
Ferrovias, florestas, campos, pomares,
Linhas de ônibus, telégrafos, rádios,
(Meu deus! Levantar o inferno com rádios!)
Siderúrgicas, minas de carvão, poços de petróleo, gás
Todas as ferramentas de produção.
(Grande dia na manhã)
Todas as coisas –
E transformá-las para as pessoas que trabalham,
Tomá-las e fazê-las funcionar para nós, as pessoas que trabalham.
Camarada! Os rádios!
Transmitindo aquela primeira manhã para URSS:
Outro membro da Internacional acabou de chegar
Saudações para as Repúblicas Socialistas Soviéticas
Ei, vocês, trabalhadores levantando-se por toda parte, saudações –
E nós vamos cantar: Maré
Cantar: Cabula
Cantar: Quilombo Rio dos Macacos
Cantar: Demini
Cantar: Oaxaca
Cantar: Amazônia
Assinar com meu nome: Trabalhador.
Neste dia ninguém vai sentir fome, frio, opressão
Em parte alguma do mundo de novo.
Este é nosso trabalho!
Eu estava morrendo de fome há muito tempo,
Você não?
Vamos, Revolução!

Tradução: Camillo César Alvarenga.


GOOD MORNING REVOLUTION – Langston Hughes

Good morning, Revolution
You're the very best friend
I ever had.
We gonna pal around together from now on.
Say, listen, Revolution:
You know, the boss where I used to work,
The guy that gimme the air to cut down expenses,
He wrote a long letter to the papers about you:
Said you was a trouble maker, a alien-enemy,
In other words a son-of-a-bitch.
He called up the police
And told 'em to watch out for a guy
Named Revolution.
You see,
The boss knows you're my friend.
He sees us hangin' out together.
He knows we're hungry, and ragged,
And ain't got a damn thing in this world--
And are gonna do something about it.
The boss's got all he needs, certainly,
Eats swell,
Owns a lotta houses,
Goes vacationin',
Breaks strikes,
Runs politics, bribes police,
Pays off congress,
And struts all over the earth--
But me, I ain't never had enough to eat.
Me, I ain't never been warm in winter.
Me, I ain't never known security--
All my life, been livin' hand to mouth,
Hand to mouth.
Listen, Revolution,
We're buddies, see--
Together,
We can take everything:
Factories, arsenals, houses, ships,
Railroads, forests, fields, orchards,
Bus lines, telegraphs, radios,
(Jesus! Raise hell with radios!)
Steel mills, coal mines, oil wells, gas,
All the tools of production,
(Great day in the morning!)
Everything--
And turn 'em over to the people who work.
Rule and run 'em for us people who work.
Boy! Them radios--
Broadcasting that very first morning to USSR:
Another member the International Soviet's done come
Greetings to the Socialist Soviet Republics
Hey you rising workers everywhere greetings--
And we'll sign it: Germany
Sign it: China
Sign it: Africa
Sign it: Poland
Sign it: Italy
Sign it: America
Sign it with my one name: Worker
On that day when no one will be hungry, cold, oppressed,
Anywhere in the world again.
That's our job!
I been starvin' too long,
Ain't you?
Let's go, Revolution!

"então o nosso povo já andou aqui nessa terra..."

Narrar os últimos dias tem sido extremamente necessário. seja em poesia ou nas circunstâncias que constroem os momentos. de qualquer maneira, os encontros e as trocas tem sido por demais valiosas e raras. portanto, nada melhor que elaborar os acontecimentos e torná-los factíveis dispositivos da memória. são tempos de torpeza e envilecimento. envelhecemos as custas de nossas próprias ruínas. enquanto herdamos passagens secretas por labirintos de horas, templos do acontecido. as presenças com seus vetores de intensidade e desejo mobilizam forças anímicas e ancestrais. o xamã caminha junto a alma dos pássaros e das águas, abre caminho na mata, descalço, vestido de folhas e redemoinhos, passa por dentro das pedras e continua caminhando... o canto ecoa em desertas paragens... tecnologia de acesso do presente. a vida como uma experiência de uma virtualidade potencial considerada pela forma da razão e motivo que direciona e intenciona a escolha implicada na necessidade de enfrentarmos a incerteza. só não deixa dúvida a beleza, essa queda da vaidade, força natural de espontaneidade aparente e ordem oculta. o tempo essa magia obscura de complexidade diferente, se faz de um delírio no dilúvio das sensações e transportes históricos específicos = atualização temporal de uma vontade potencial em fluxo constante de oscilações equipolentes. Ainda mais surreal o real quando absurdos se tornam fatos. Que de tanto pensar a memória se gasta em resgatar o rosto, gravar o contorno dos passos e dos percalços, a língua que fala e gesticula internamente algo que se diz palavra e vem de alhures em nós. Em nós osculam-se o cálice e o pai, o parto e a refazenda, a aldeia que existe no mar e a mata que nos abriga e acolhe da imensidão maior infinita do cosmo. Nos inflamamos pela chama acessa da vida que vem de um lugar mais distante e anterior. Sente-se próximo mais uma vez o despertar, e quando chamar a Serra, não se lamente, saiba encontrar os rastros pros atalhos de si mesmo, siga aquela que chama pelo totem e para distante do tabu. ouçamos Gaia e os encantados enquanto ainda acreditamos que nos ouçam.

Agradeço realmente a todos que fizeram junto os últimos dias, em especial Daniela, uma grata surpresa conhecê-la, Jurema foi muito bom revê-la, D. Maria Tupinambá, uma felicidade extrema poder encontrá-la no Recôncavo, a Suzana pela lucidez, a Paulo Pataxó HãHãHãi pela comunicação estabelecida com os encantados, a Uila pela poesia "que de tão boa, voa", a Elódia pela presença de espírito... deixo aqui uma memória sonora e plástica que possa se dilatar no tempo aberto por/em/entre nós.

Ouça: https://soundcloud.com/camilloc-saralvarenga/canto-xamanico-pataxo-hahahai

OS INVOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA, Eduardo Viveiros De Castro

Aula pública durante o ato Abril Indígena, Cinelândia, Rio de Janeiro 20/04/2016

Hoje os que se acham donos do Brasil — e que o são, em ultimíssima análise, porque os deixamos se acharem, e daí a o serem foi um pulo (uma carta régia, um tiro, um libambo, uma PEC) — preparam sua ofensiva final contra os índios. Há uma guerra em curso contra os povos índios do Brasil, apoiada abertamente por um Estado que teria (que tem) por obrigação constitucional proteger os índios e outras populações tradicionais, e que seria (que é) sua garantia jurídica última contra a ofensiva movida pelos tais donos do Brasil, a saber, os “produtores rurais” (eufemismo para “ruralistas”, eufemismo por sua vez para “burguesia do agronegócio”), o grande capital internacional, sem esquecermos a congenitamente otária fração fascista das classes médias urbanas. Estado que, como vamos vendo vendo, é o aliado principal dessas forças malignas, com seu triplo braço “legítimamente constituído”, a saber, o executivo, o legislativo e o judiciário.

Mas a ofensiva não é só contra os índios, e sim contra muito outros povos indígenas. Devemos começar então por distinguir as palavras “índio” e “indígena”, que muitos talvez pensem ser sinônimos, ou que “índio” seja só uma forma abreviada de “indígena”. Mas não é. Todos os índios no Brasil são indígenas, mas nem todos os indígenas que vivem no Brasil são índios. Indios são os membros de povos e comunidades que têm consciência — seja porque nunca a perderam, seja porque a recobraram — de sua relação histórica com os indígenas que viviam nesta terra antes da chegada dos europeus. Foram chamados de “índios” por conta do famoso equívoco dos invasores que, ao aportarem na América, pensavam ter chegado na Índia. “Indígena”, por outro lado, é uma palavra muito antiga, sem nada de “indiana” nela; significa “gerado dentro da terra que lhe é própria, originário da terra em que vive”.1 Há povos indígenas no Brasil, na África, na Ásia, na Oceania, e até mesmo na Europa. O antônimo de “indígena” é “alienígena”, ao passo que o antônimo de índio, no Brasil, é “branco”, ou melhor, as muitas palavras das mais de 250 línguas índias faladas dentro do território brasileiro que se costumam traduzir em português por “branco”, mas que se refere a todas aquelas pessoas e instituições que não são índias. Essas palavras indígenas têm vários significados descritivos, mas um dos mais comuns é “inimigo”, como no caso do yanomami 'napë', do kayapó 'kuben' ou do araweté 'awin'. Ainda que os conceitos índios sobre a inimizade, ou condição de inimigo, sejam bastante diferentes dos nossos, não custa registrar que a palavra mais próxima que temos para traduzir diretamente essas palavras indígenas seja “inimigo”. Durmamos com essa. Mas isso quer dizer então que todos as pessoas nascidas aqui nesta terra são indígenas do Brasil? Sim e não. Sim no sentido etimológico informal abonado pelos dicionários: “originário do país etc. em que se encontra, nativo” (ver nota 1, supra). Um colono de 'origem' (e língua) alemã de Pomerode é “indígena” do Brasil porque nasceu em uma região do território político epônimo, assim como são indígenas um sertanejo dos semi-árido nordestino, um agroboy de Barretos ou um corretor da Bolsa de São Paulo. Mas não, nem o colono, nem o agroboy nem o corretor de valores são indígenas — perguntem a eles...

Eles são “brasileiros”, algo muito diferente de ser “indígena”. Ser brasileiro é pensar e agir e se considerar (e talvez ser considerado) como “cidadão”, isto é, como uma pessoa definida, registrada, vigiada, controlada, assistida — em suma, pesada, contada e medida por um Estado-nação territorial, o “Brasil”. Ser brasileiro é ser (ou dever-ser) cidadão, em outras palavras, 'súdito' de um Estado 'soberano', isto é, transcendente. Essa condição de súdito (um dos eufemismos de súdito é “sujeito [de direitos]“) não tem absolutamente nada a ver com a relação indígena vital, originária, com a terra, com o lugar em que se vive e de onde se tira seu sustento, onde se 'faz a vida' junto com seus parentes e amigos. Ser indígena é ter como referência primordial a relação com a terra em que nasceu ou onde se estabeleceu para fazer sua vida, seja ela uma aldeia na floresta, um vilarejo no sertão, uma comunidade de beira-rio ou uma favela nas periferias metropolitanas. É ser parte de uma comunidade ligada a um lugar específico, ou seja, é integrar um 'povo'. Ser cidadão, ao contrário, é ser parte de uma 'população' controlada (ao mesmo tempo “defendida” e atacada) por um Estado. O indígena olha para baixo, para a Terra a que é imanente; ele tira sua força do chão. O cidadão olha para cima, para o Espírito encarnado sob a forma de um Estado transcendente; ele recebe seus direitos do alto.

“Povo” só '(r)existe' no plural — povoS. Um povo é uma multiplicidade singular, que supõe outros povos, que habita uma terra pluralmente povoada de povos. Quanto perguntaram ao escritor Daniel Munduruku se ele “enquanto índio etc.”, ele cortou no ato: “não sou índio; sou Munduruku”. Mas ser Munduruku significa saber que existem Kayabi, Kayapó, Matis, Guarani, Tupinambá, e que esses não são Munduruku, mas tampouco são Brancos. Quem inventou os “índios” como categoria genérica foram os grandes especialistas na generalidade, os Brancos, ou por outra, o Estado branco, colonial, imperial, republicano. O Estado, ao contrário dos povos, só consiste no singular da própria universalidade. O Estado é sempre único, total, um universo em si mesmo. Ainda que existam muitos Estados-nação, cada um é uma encarnação do Estado Universal, é uma hipóstase do Um. O povo tem a forma do Múltiplo. Forçados a se descobrirem “índios”, os índios brasileiros descobriram que haviam sido 'unificados' na generalidade por um poder transcendente, unificados para melhor serem des-multiplicados, homogeneizados, abrasileirados. O pobre é antes de mais nada alguém de quem se tirou alguma coisa. Para transformar o índio em pobre, o primeiro passo é transformar o Munduruku em índio, depois em índio administrado, depois em índio assistido, depois em índio sem terra.
E não obstante, os povos indígenas originários, em sua multiplicidade irredutível, que foram indianizados pela generalidade do conceito para serem melhor desindianizados pelas armas do poder, sabem-se hoje alvo geral dessas armas, e se unem contra o Um, revidam dialeticamente contra o Estado aceitando essa generalidade e cobrando deste os direitos que tal generalidade lhes confere, pela letra e o espírito da Constituição Federal de 1988. E invadem o Congresso. Nada mais justo que os invadidos invadam o quartel-general dos invasores. Operação de guerrilha simbólica, sem dúvida, incomensurável à guerra massiva real (mas também simbólica) que lhes movem os invasores. Mas os donos do poder vêm acusando o golpe, e correm para viabilizar seu contragolpe. Para usarmos a palavra do dia, golpe é o que se prepara nos corredores atapetados de Brasília contra os índios, sob a forma, entre outras, da PEC 215.

Os índios são os primeiros indígenas do Brasil. As terras que ocupam não são sua propriedade — não só porque os territórios indígenas são “terras da União”, mas porque são eles que pertencem à terra e não o contrário. Pertencer à terra, em lugar de ser proprietário dela, é o que define o indígena. E nesse sentido, muitos povos e comunidades no Brasil, além dos índios, podem se dizer, porque se sentem, indígenas muito mais que cidadãos. Não se reconhecem no Estado, não se sentem representados por um Estado dominado por uma casta de poderosos e de seus mamulengos e jagunços aboletados no Congresso Nacional demais instâncias dos Três Poderes. Os índios são os primeiros indígenas a não se reconhecerem no Estado brasileiro, por quem foram perseguidos durante cinco séculos: seja diretamente, pelas “guerras justas” do tempo da colônia, pelas leis do Império, pelas administrações indigenistas republicanas que os exploraram, maltrataram, e, muito timidamente, às vezes os defenderam (quando iam longe demais, o Estado lhes cortava as asinhas); seja indiretamente, pelo apoio solícito que o Estado sempre deu a todas as tentativas de desindianizar o Brasil, varrer a terra de seus ocupantes originários para implantar um modelo de civilização que nunca serviu a ninguém senão aos poderosos. Um modelo que continua 'essencialmente' o mesmo há quinhentos anos.
O Estado brasileiro e seus ideólogos sempre apostaram que os índios iriam desaparecer, e quanto mais rapidamente melhor; fizeram o possível e o impossível, o inominável e o abominável para tanto. Não que fosse preciso sempre exterminá-los fisicamente para isso — como sabemos, porém, o recurso ao genocídio continua amplamente em vigor no Brasil —, mas era sim preciso de qualquer jeito desindianizá-los, transformá-los em “trabalhadores nacionais”.2 Cristianizá-los, “vesti-los” (como se alguém jamais tenha visto índios 'nus', esses mestres do adorno, da plumária, da pintura corporal), proibir-lhes as línguas que falam ou falavam, os costumes que os definiam para si mesmos, submetê-los a um regime de trabalho, polícia e administração. Mas, acima de tudo, cortar a relação deles com a terra. Separar os índios (e todos os demais indígenas) de sua relação orgânica, política, social, vital com a terra e com suas comunidades que vivem da terra — essa separação sempre foi vista como 'condição necessária' para transformar o índio em cidadão. Em cidadão pobre, naturalmente. Porque sem pobres não há capitalismo, o capitalismo precisa de pobres, como precisou (e ainda precisa) de escravos. Transformar o índio em pobre. Para isso, foi e é preciso antes de mais nada separá-lo de sua terra, da terra que o 'constitui' como indígena.

Nós, os brancos que aqui estamos sentados na escadaria da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em 20 de abril de 2016, nós nos sentimos indígenas. Não nos sentimos cidadãos, não nos vemos como parte de uma população súdita de um Estado que nunca nos representou, e que sempre tirou com uma mão o que fingia dar com a outra. Nós os “brancos” que aqui estamos, bem como diversos outros povos indígenas que vivem no Brasil: camponeses, ribeirinhos, pescadores, caiçaras, quilombolas, sertanejos, caboclos, curibocas, negros e “pardos” moradores das favelas que cobrem este país. Todos esses são 'indígenas', porque se sentem ligados a um lugar, a um pedaço de terra — por menor ou pior que seja essa terra, do tamanho do chão de um barraco ou de uma horta de fundo de quintal — e a uma comunidade, muito mais que cidadãos de um Brasil Grande que só engrandece o tamanho das contas bancárias dos donos do poder.
A terra é o corpo dos índios, os índios são parte do corpo da Terra. A relação entre terra e corpo é crucial. A separação entre a comunidade e a terra tem como sua face paralela, sua sombra, a separação entre as pessoas e seus corpos, outra operação indispensável executada pelo Estado para criar populações administradas. Pense-se nos LGBT, separados de sua sexualidade; nos negros, separados da cor de sua pele e de seu passado de escravidão, isto é, de despossessão corporal radical; pense-se nas mulheres, separadas de sua autonomia reprodutiva. Pense-se, por fim mas não por menos abominável, no sinistro elogio público da tortura feito pelo canalha Jair Bolsonaro — a tortura, modo último e mais absoluto de separar uma pessoa de seu corpo. Tortura que continua — que sempre foi — o método favorito de separação dos pobres de seus corpos, nas delegacias e presídios deste pais tão “cordial”.

Por isso tudo a luta dos índios é também a nossa luta, a luta indígena. Os índios são nosso exemplo. Um exemplo de 'rexistência' secular a uma guerra feroz contra eles para desexistí-los, fazê-los desaparecer, seja matando-os pura e simplesmente, seja desindianizando-os e tornando-os “cidadãos civilizados”, isto é, brasileiros pobres, sem terra, sem meios de subsistência próprios, forçados a vender seus braços — seus corpos — para enriquecer os pretensos novos donos da terra.
Os índios precisam da ajuda dos brancos que se solidarizam com sua luta e que reconhecem neles o 'exemplo' maior da luta perpétua entre os povos indígenas (todos os 'povos' indígenas a que me referi mais acima: o povo LGBT, o povo negro, o povo das mulheres) e o Estado nacional. Mas nós, os “outros índios”, aqueles que não são índios mas se sentem muito mais 'representados' pelos povos índios que pelos políticos que nos governam e pelo aparelho policial que nos persegue de perto, pelas políticas de destruição da natureza levadas a ferro e a fogo por todos os governos que se sucedem neste país desde sempre — nós outros também precisamos da ajuda, e do exemplo, dos índios, de suas táticas de guerrilha simbólica, jurídica, mediática, contra o Aparelho de Captura do Estado-nação. Um Estado que vai levando até às últimas consequências seu projeto de destruição do território que reivindica como seu. Mas a terra é dos povos.

Concluo com uma alusão ao nome de uma rua nn muito distante desta Cinelândia onde estamos agora. Em Botafogo existe, como vocês todos sabem, a Rua Voluntários da Pátria. Seu nome provém de uma iniciativa empreendida pelo Império em sua guerra genocida (e etnocida) contra o Paraguai — o Brasil sempre foi bom nisso de matar índios, do lado de cá ou de lá de suas fronteiras. Carente de tropas para enfrentar o exército guarani, o Governo imperial criou corpos militares de voluntários, “apelando para os sentimentos do povo brasileiro”, como escreve o verbete da Wikipedia sobre a iniciativa. Pedro II apresentou-se em Uruguaiana como o “primeiro voluntário da pátria”. Não demorou muito e o patriotismo dos voluntários da pátria arrefeceu; logo o Governo central passou a exigir dos presidentes das províncias que recrutasse cotas de “voluntários”. A solução para esta lamentável “falta de patriotismo” dos brancos brasileiros foi, como se sabe, mandar milhares de escravos negros como voluntários. Foram eles que mataram e morreram na Guerra do Paraguai.

Obrigados, escusado dizer. Voluntários involuntários. Pois bem. Os índios foram e são os primeiros Involuntários da Pátria. Os povos indígenas originários viram cair-lhes sobre a cabeça uma “Pátria” que não pediram, e que só lhes trouxe morte, doença, humilhação, escravidão e despossessão. Nós aqui nos sentimos como os índios, como todos os indígenas do Brasil: como formando o enorme contingente de Involuntários da Pátria. Os involuntários de uma pátria que não queremos, de um governo (ou desgoverno) que não nos representa e nunca nos representou. Nunca ninguém os representou, àqueles que se sentem indígenas. Só nós mesmos podemos nos representar, ou talvez, só nós podemos dizer que representamos a terra — esta terra. Não a “nossa terra”, mas a terra de onde somos, de quem somos. Somos os Involuntários da Pátria. Porque 'outra' é a nossa vontade.

* * *

Notas:

1 “A palavra 'indígena' vem do «lat[im] indigĕna,ae “natural do lugar em que vive, gerado dentro da terra que lhe é própria”, derivação do latim indu arcaico (como endo) > latim] clássico in- "movimento para dentro, de dentro" + -gena derivação do rad[ical do verbo latino gigno, is, genŭi, genĭtum, gignĕre "gerar"; Significa “relativo a ou população autóctone de um país ou que neste se estabeleceu anteriormente a um processo colonizador” ...; por extensão de sentido (uso informal), [significa] “que ou o que é originário do país, região ou localidade em que se encontra; nativo”. (Dicionário Eletrônico Houaiss)

2 O primeiro nome do SPI republicano (Serviço de Proteção aos Índios) era SPILTN: Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais. Foi SPITLN de 1910 a 1918, depois só SPI, até virar FUNAI em 1967, ao cabo de uma CPI que revelou uma infinidade de abusos, desmandos, violências variadas, explorações e outras benesses protetoras conferidas pelo Estado.

Fernando Pessoa


"Introdução ao estudo do problema nacional (ou império português)"

---> o imperialismo de expansão tem um sentido normal.

Imperialismo ----> expansão ----> civilização ----> territórios ---> (desertos povoados)

Ocupação ---> "necessidade natural de o povo expandir" sobre "territórios ou desertos, ou povoados por populações primitivas ou selvagens"

"O caso do Brasil é típico"

[...]

A NARRATIVA ENTRE O DADO E O FATO

Entre tantos sofrimentos humanos, como por exemplo tanto a escravidão via Atlântico Negro quanto à 2ª Guerra Mundial, constata-se a perda da capacidade de intercambiar experiências como se refere W. Benjamin, no célebre texto “O Narrador”. A dificuldade em comunicar a experiência através de narrativas, ou seja, perspectivas, está diretamente ligada a perda da memória e com os hiatos, como o racismo ou o antissemitismo, no contexto das formas de sociabilidade moderna e contemporânea.
Esta “nova barbárie” condiz ao “esvaziamento da experiência” como no sentido posto por Agambem, que indica a noção de “potência do pensamento” como recurso à recuperação reflexiva do vivido. Baudrillard, um dos teóricos do pós-modernismo, diz que a relação de influência entre consumo e a solidariedade social conduz a adesão de simulacros de códigos de conduta e modelos de comportamento, como o “estilo de vida” construído pela mídia e pela reprodução. Já o linguista, N. Chomsky, ao relacionar o mass media com a manipulação e consentimento da opinião pública e do público, questiona o lugar dos intelectuais, com uma indagação: classe que compreende e interpreta o real?

A narrativa literária consubstancia as obras do imaginário com uma experiência temporal de redefinição do cotidiano. A arte conserva a negação. Contra a colonização do imaginário, a arte interfere na realidade através da transcendência e imanência, contidas na ambiguidade da narrativa da obra de arte. A narratividade permite a mediação das narrativas ao elaborar uma experiência e sua constituição de sentido. Obras como O Homem do Chapéu Vermelho, de Hervé Guibert ou Rum – Diário de um Jornalista Bêbado, de Hunter S. Thompson são formas de recompor os sentidos dos sujeitos ancorados na linguagem, para alcançar uma reconstrução de si e do mundo. Estas obras do pensamento refletem também a capacidade de projetar novos sentidos possíveis na realidade.
Enquanto essas manifestações literárias são experiências narrativas elaboradas pelo romance, a filosofia, com a fenomenologia, mais especificamente, Sartre e Ricouer desdobram a modernidade da linguagem filosófica contida em Husserl e Heidegger, considerando a configuração de sujeitos atrelados a sociedade. A ética no cotidiano das relações sociais orienta a conduta dos sujeitos históricos.

O pensamento fenomenológico incide uma crítica na epistemologia moderna ao questionar a clássica separação entre sujeito e objeto. O que leva a conclusão de uma crise dos sentidos da modernidade e um divórcio anunciado entre a ciência e os sofrimentos humanos.
O que nos permite também questionar, não será também aqui o “intelectual”, posto num amplo sentido – pajés, griôs, yalorixás, etc... – os sujeitos postos entre o dado e fato, responsáveis por narrar a experiência de existência dos povos?

ACUSMÁTICA


dedos
desbaratinam
cordas qual
infinita escada,
esta escala (im)
possível
enfim,
reencontrada.
e como
soam pestanas,
ouço-lhes
em práticas
simples, límpidas
imagens sonoras,
acusmática, voltas.
e logo arranjo
rápidos instantes
líricos.
como se
improvisa
o som, tão
casualmente
dinâmico, tão
necessariamente
rítmico.
canções que
rebentam alta
madrugada e,
de repente,
alíneas com-
postas
do absurdo, a-
cordes
da cor
do abismo-rio
em fluxo
a corrente

Sobre a estátua do caboclo na praça do Campo Grande em Salvador

Eu particularmente penso que essa altura só distancia as pessoas da relação com o vulto. além de ter sido realizada por um arquiteto italiano, o que gerou muita polêmica e discussão na época sendo chamado de o "caboclo italiano do Campo Grande" como traz a notícia do jornal O Diário da Bahia de 5 de julho de 1898 em crítica ao Jornal de Notícias.

"Este monumento foi inaugurado em 02 de julho de 1895, e foi assim descrito: "(...) Encimado a columna ostenta-se garbosamente a figura de um índio, com quatro metros e onze centímetros de altura, armado de arco e flecha, symbolizando o Brazil na attitude de desferir tremendos golpes sobre o serpente, alludida ao governo da metropole, a qual procura esmagar debaixo dos pés (...) Do lado direito, encostada ao pedestal figura sobre o plintho a estatua de uma mulher colol erecto envolvida em uma bandeira empunhada com vigor, que representa a Bahia proclamando sua liberdade. Do lado opposto, uma estatua com cabellos soltos, corôa de louro e braços de mulher varonil, figura Catharina Paraguassu, tendo em uma das mãos uma arma em posição de defesa e na outra um escudo em que está gravado com lettras memoráveis palavras pronunciadas nas margens do Ypiranga: - Independência ou Morte. Sobre essas columnas elevam-se trophéo de armas e objetos indigenas artisticamente combinados". 

FONTE: Jornal de Notícias, 3 de Julho de 1895.In: (SANTOS, 1995)

INCONSCIENTEMENTE-ÍNDIOS

 Acabo de chegar de uma experiência (extra)-ordinária. Acabei de fazer um trabalho maravilhoso. Com uma sensação de paz indescritível. Mas com uma vontade imensa de compartilhar e extravasar toda essa alegria tão emocionante. Acabo de acompanhar a chegada/trazida do par (cabocla/caboclo) de Cachoeira, onde estavam, na Praça da Aclamação, para onde foram levados da Rua da Feira para os "festejos" de 25 de junho. Hoje, dia 27, acompanhei desde a outra margem a vinda deles até aqui, em São Félix, onde na Praça 2 de Julho, praticamente na esquina da rua onde nasci e vivi por quase 20 anos, muitos aguardavam a chegada do cortejo. Políticos, hinos, militares, populares, toda sorte de figuras públicas e anônimas enchiam as ruas, as filarmônicas União Sanfelista e Minerva Cachoeirana foram responsáveis pela trilha sonora. Estou cheio de vida, sabe-se lá em especial pelo quê, mas sinto um profundo pundonor.Uma sensação nova, a de estar em casa e ser total, sem circunscrição de minhas ações, sem pudor de meus atos, captei o áudio das rodas dos carros dos caboclos rangendo no chão de pedras e sobre a ponte metalizada, os áudios dos estouros das bombas e dos gritos de "Viva Caboclo!". Extremamente bem acompanhados por membros do povo de santo das duas cidades, aqueles encantados triunfaram sobre o trânsito, sobre o caos das cidades, sobre indiferença tão comum, sobre o possível romantismo ideológico ou um pseudo-folclorismo tão caracteristicamente atribuídos a certas manifestações da cultura e sociedade baiana. Nem civismo nem representação, nem solenidade nem burocracia de estado, apenas a terra reclamando sua primazia ancestral, apenas a herança que nunca se perdeu, os índios, ah...que gente impressionante, que fibra moral e existencial tão tenaz, que após séculos e séculos de extermínio deliberadamente organizado pelo Estado brasileiro, eles - nós - os índios ainda fazem/fazemos esse mesmo estado de homens públicos cruzarem suas cidades para nos reverenciar: realmente, nos devem e muito, para em plena segunda feira, pós São João, estarem empalitozados no clima mui ameno do recôncavo nesta época, em busca de alguma atenção pública e mais alguns votos. Mas no entanto, sua frágil peripécia não se compara aos presentes que lá mesmo em-e-ao ovacionar aqueles vultos da história e da cultura nativa, atualizam o emblema e revestem o presente de uma fina camada de sereno, que ilumina e re-brilha o estandarte eternizado de um passado que, seguramente, insiste em não abandonar a sucessão de devires históricos e cosmológicos, para cada um e suas famílias, que conhecem a natureza da guerra tornada mito e do mito da guerra tornado memória. sempre atual e acesa em chamas, senão no cotidiano, mas sim no inconsciente-índio de nossos contemporâneos de quem éramos e de quem devemos, por força e direito a uma razão ontológica, tornarmos a ser: índios.

Auerê / xetu marrumba xetu

Gratidão ao cosmo.

Eparrei Oyá


Exige o
           Ijexá.
O
carmim
carmesin
do ojá 
de Oiá, 
e eu,
que nem 

em mim,
sabia estar,
respirei 

– fundo –
ante o profundo 

arranjo dos raios
relâmpagos-trovões-tempestades,
céleres
no ar.

Dois de Julho não é ou foi só ontem...



A nossa independência enquanto povos originários é e tem que ser construída todos os dias. Mais uma vez fiz trabalho de campo, estive na rua acompanhei-os, cabocla e caboclo em seu desfile de "despedida". Ela a retornar à Casa da Cultura de São Félix e ele à Praça da Aclamação em Cachoeira. Mas desta vez não vai ter fotos ou autocongratulações. Mas vou sim compartilhar a voz de duas mulheres de nosso tempo, as quais tenho extremado respeito e admiração. 

Uma índia, Maria da Glória de Jesus, guerreira, mãe de uma das figuras políticas atuais de maior relevância, o senhor Rosivaldo Ferreira da Silva, mais conhecido como Cacique Babau, além de ser esposa de Seu Lírio, pajé e uma das lideranças indígenas do povo tupinambá da Serra do Padeiro. D. Maria, esteve em Cachoeira, São Félix, enfim, pelo recôncavo, fazem algum meses, nessa ocasião, nos conhecemos. D. Maria participava da exibição do filme, que acredito que muitos de vocês já assistiram, que é o "Retorno da Terra", da jornalista e antropóloga Daniela Alarcon, nesta ocasião em minha participação no debate após a exibição do filme, D. Maria e Daniela me presentearam com a seguinte resposta, que agora partilho aqui com todos. De lá pra cá, se nutriu uma bela amizade entre mim e essas duas mulheres de fibra, luta e persistência contra a opressão tão comum aos índios em nosso país. Por conta destas e outras experiências tive a oportunidade de ir à Serra do Padeiro, onde registrei a foto que ilustra essa fala.

Só quero deixar aqui uma verdadeira homenagem a todas e todos índios, caboclos e encantados, curandeiros, benezeiros, pajés e xamãs de nosso mundão a fora, que além de segurarem os céus sobre nossas cabeças, como no caso dos ianomâmi, seguram mesmo é a nossa onda, antes de desistirmos de lutar e nos entregarmos a essa outra realidade tão danosa e nociva. Então fiquemos com as palavras mágicas de D. Maria Tupinambá, por que nessas aí eu prefiro acreditar.

Ouça: https://soundcloud.com/camilloc-saralvarenga/d-maria-tupinamba-daniela-alarcon 

LUTA

KOFKOFKOF

KOFKOF

KOF

samba
é sangue

sorve
o som
segue
a senda
singra
e sangra
lembre
e seja
assombrosa
manhã
mostra
a cara
inda pé,
o além
passo-
a-passo
espanta
a farsa
séculos
de sangue
no mato
no mar
no mangue
desmonta
a gangue
gol no agiota
que empresta
o futuro
às custas de
umas notas
- não vota -
e nem nota
que a vida
muda a rota
e que a morte
bate as botas:
moto-contínuo
de outras horas,
o nó desata
abre as portas
chama a casa
pra fora - a rua lota -
luta toda a rapa...

Camillo César Alvarenga,
julho, 2016.

FLOR DE BÚZIOS


começávamos
a entrar,
quando a
.................tarde
..........................descia.
...........- a hora avança!
( - alguém dizia)
................olhos-lanças
apontam
................o crepúsculo,
brilham no fundo dos
............túneis do metrô,

tantos sãos
abduzidos
ao silêncio
acordados
ao abismo
amanhecendo
noites
pavorosas,
sombras
em vultos,
o fantasma,
em vulgo
alarde de tudo,
engana o mundo.
nos desapercebemos
ao entrar na tarde,
..................................descíamos, talvez,
...................o Paraguaçu a nado
(em peripécias impossíveis),
.......;;..................enquanto:
o canoeiro segue ao mar
ao leme atento, ao remo atado..

Monday 12 December 2016

Emmanuelle Kadya Tall, Le candomblé de Bahia. Miroir baroque des mélancolies postcoloniales. Paris, Le Cerf, 2012

                                                                                                                       Lectures: Arnaud Halloy (p. 171-176)
Referência(s):
Emmanuelle Kadya Tall, Le candomblé de Bahia. Miroir baroque des mélancolies postcoloniales, Paris, Le Cerf, 2012, 176 p.

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Bahia
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1La fresque aux multiples reflets qu’offre Emmanuelle Kadya Tall dans cet ouvrage éclaire d’un jour nouveau les études sur le candomblé. Mêlant avec ingéniosité et rigueur des matériaux ethnographiques et historiques, l’auteur bat en brèche les idées reçues du « théologiquement correct » et du prêt-à-penser socio-historique en ancrant son analyse dans une connaissance solide du passé colonial de l’Atlantique Sud et en en démontrant l’influence profonde sur le processus de formation de la religiosité afro-brésilienne contemporaine. Emmanuelle Kadya Tall défend en effet de manière convaincante l’idée selon laquelle le candomblé n’échappe pas à l’ethos baroque insufflé par la Contre-Réforme de l’Église catholique dès le xvie siècle et qui marqua profondément l’esprit de tous les segments des sociétés coloniales du Nouveau Monde. L’ouvrage est articulé en trois grandes parties: les deux premières répondent à un même principe analytique puisque, à partir d’un cas ethnographique, l’auteur donne à voir leur réflexivité historique – à savoir les mille reflets du passé colonial dont ils sont issus; la troisième partie consiste en une réflexion plus théorique sur la notion d’ethos baroque qui caractériserait ces « nostalgies réfractées ».
  • 1 À l’exception de l’un ou l’autre temple ayant opté pour l’éradication de toute image chrétienne. Vo (...)
2Cet ouvrage s’ouvre avec l’analyse du parcours de vie d’un chef de culte bahianais, de l’espace de son terreiro et du rituel qui inaugure l’année liturgique de sa maison de culte. À travers la matérialité même du culte et des relations hiérarchiques qui s’y déploient, l’auteur met bien en évidence l’évocation permanente du passé colonial et de la rencontre entre colons, esclaves africains et amérindiens. Selon ses propres termes, l’espace rituel dessine ainsi « les contours d’une géographie sacrée qui ancre dans le temps présent un espace-temps Atlantique à travers ses différents ancêtres » (p. 59) alors que le rituel analysé témoigne « de la plasticité de cet espace, où ce qui importe, c’est moins la question de l’origine que la circulation qui s’y opère » (p. 60). De cette manière, Emmanuelle Kadya Tall récuse de manière convaincante la vision dichotomique de l’histoire du candomblé, explicitement ou implicitement informée par la théorie bastidienne du « syncrétisme de masque ».Cette théorie, aujourd’hui largement internalisée par l’intelligentsia religieuse afro-brésilienne, postule que derrière les représentations et objets chrétiens au sein des temples de candomblé se cachait une stratégie de conservation des pratiques africaines – entendre ici un refus du mélange entre deux cultures religieuses présentées comme fondamentalement incompatibles1. Ce « principe de coupure » – un autre nom bastidien pour rendre compte du processus historique ayant donné lieu à ses fameuses religions africaines « en conserve » – illustre parfaitement l’eidos à travers lequel est pensée l’histoire de ces cultes, à savoir l’affrontement entre deux pôles religieux culturellement étanches, un combat en noir et blanc entre dominants et dominés, entre maîtres et esclaves. Or, cette vision des choses tend à dissimuler un processus sociohistorique bien plus complexe et dynamique. En substituant au masque syncrétique la métaphore du miroir, Emmanuelle Kadya Tall insiste sur la multiplicité des reflets de l’histoire coloniale dans la formation des religions afro-brésiliennes, tel un jeu de réfraction au cours duquel l’image – et les imaginaires – des uns et des autres se mêlent et se transforment au fil des situations sociales et événements historiques, au sein d’un univers commun qui est celui de l’Atlantique Sud.
3En élargissant le débat à l’échelle continentale, l’auteur rompt par ailleurs avec une approche historique centrée sur les « rapports ethnico-statutaires » (p. 62) pour mettre en évidence ce qui rapproche et, d’une certaine manière, ce qui unit les nombreux acteurs du Nouveau Monde : le processus de colonisation lié à la traite. Une idée-force de l’ouvrage consiste à considérer ce processus non seulement à partir de la confrontation d’expérience sociales locales, certes tributaires d’un contexte idéologique plus large, mais aussi d’imaginaires tournés vers un même but : « rationaliser et domestiquer leur environnement, chacun interprétant dans son propre langage les interrogations sur le sens de la vie, la crainte de l’autre, dans une dénégation de sa différence absolue. » (p. 127). C’est sur ce terreau social et cognitif fertile où chacun se cherche et cherche (à faire) sa place que certaines inflexions idéologiques ou « orientations cognitives » vont progressivement formater les mentalités et, au final, être largement partagées par tous, en dépit des différences patentes d’origine et de statut social.
  • 2 Renato Ortiz, A morte branca do feiticeiro negro. Umbanda, integração de uma religião numa sociedad (...)
  • 3 Paul Christopher Johnson, Secrets, Gossip ,and Gods. The Transformation of Brazilian Candomblé, Oxf (...)
4La seconde partie est focalisée sur l’analyse d’un rituel en particulier, celui de la Fête-Dieu. Rituel fondateur dans quelques maisons de candomblé ketu de Bahia, ce rituel prend place le samedi saint. Il débute avec une messe catholique et se poursuit avec le sacrifice d’un bœuf pour la divinité Oxóssi, l’orixá chasseur. Fidèle à la sémantique narrative de Louis Marin qui suggère que tous les rituels sacrificiels « peuvent être lus selon une grille eucharistique » (p. 89), Emmanuelle Kadya Tall voit dans cette célébration un « récit parlé et gestuel » centré autour de la « mise en présence réelle des corps divins : celui du Christ dans l’hostie et celui d’Oxóssi dans une tête de bœuf. Un corps sacrifié et un corps de sacrificateur dans une sémantique narrative où la figure du Christ comme victime fonde le pouvoir du chasseur Oxóssi instituant la communauté religieuse » (p. 92). La fonction narrative du rituel, même si elle peut donner lieu à des divergences interprétatives, est, semble-t-il, bien réelle, et joue un rôle important dans la manière dont les individus font sens des rituels auxquels ils prennent part. Ce type d’approche et d’interprétation rejoint par ailleurs le travail de R. Ortiz sur l’umbanda pauliste, dont il a clairement montré que les rapports hiérarchiques entre les entités spirituelles du panthéon reflètent en partie la structure sociale de la société où elle s’inscrit2. La fonction narrative marinienne fait également écho à l’approche de P. C. Johnson sur le candomblé carioca, qui s’attache quant à lui à mettre en évidence le processus de sédimentation sémantico-historique des différentes perceptions du candomblé au sein de sa liturgie même, chaque période historique, chaque contexte socioéconomique et politique conférant, potentiellement, un sens inédit à des pratiques existantes ou contribuant à en produire de nouvelles3. L’originalité de l’approche proposée par Emmanuelle Kadya Tall tient dans ce qu’elle appelle « l’ethos baroque » propre au candomblé contemporain, qu’elle présente dans la troisième partie de l’ouvrage.
  • 4 « Partagée » n’est pas ici synonyme d’identique, mais renvoie à des expériences diversifiées qui (...)
5L’ethos tel que le définit l’auteur est la « cristallisation d’une stratégie de survivance inventée spontanément par une communauté » (p. 130). Cet usage rapproche l’ethos de l’habitus bourdieusien et renvoie par conséquent à un ensemble de dispositions incarnées par un groupe d’individus engagés dans une histoire et des pratiques communes. L’ethos baroque renvoie ainsi à une configuration particulière de l’ethos, dont les racines remonteraient à la Contre-Réforme qui, « loin de constituer uniquement une réforme religieuse, [elle] a accompagné l’entrée de l’Europe occidentale dans la modernité et répondu à une véritable crise de civilisation. » (p. 70) Pour comprendre et mesurer toute l’influence de la Contre-Réforme dans le Nouveau Monde – et parricochet sur le candomblé contemporain –, Emmanuelle Kadya Tall nous replonge dans le contexte socioreligieux de la Renaissance européenne. Retenons ici que la Contre-Réforme va trouver dans l’art baroque un puissant moyen de propagation de la foi dont l’influence va s’étendre bien au-delà de l’art religieux pour devenir un véritable ethos à l’échelle du continent latino-américain. Aujourd’hui, cet ethos baroque est notamment reconnaissable, selon l’auteur, par une inclination pour la « fiction », c’est-à-dire la capacité à transcender la dureté de la réalité en recourant à l’imaginaire et la mise en récit fictionnelle et un goût prononcé pour l’ostentation et la dramatisation à travers la mise en scène – rituelle ou matérielle – des histoires que l’on se « re-raconte ». Comme l’a bien perçu et décrit Emmanuelle Kadya Tall, l’ethos est cependant indissociable du sentiment des populations qui le partagent. Au Brésil, celui-ci va prendre une forme bien particulière : celle de la saudade. Cette « nostalgie mélancolique » serait « partagée par l’ensemble du corps social » (p. 122) et trouverait son origine dans le « déni du fait colonial ». L’État-nation brésilien, en effet, repose sur une fiction fondatrice, à savoir le mythe de la socialité cordiale ou de la « démocratie raciale » ; ce seraient donc les expériences coloniales communes qui auraient engendré cette nostalgie partagée4s’exprimant, aujourd’hui, dans le candomblé à travers une « mélancolie postcoloniale ».
  • 5 Par ontologie, j’entends essentiellement la nature des choses et des êtres telle qu’appréhendée p (...)
  • 6 Voir notamment, sur cette approche, Roger Sansi-Roca, « The Hidden Life of Stones:Historicity, Mate (...)
  • 7 Fabrice Clément, « L’esprit ensorcelé. Les racines cognitives de la sorcellerie » in Terrain, n° 41 (...)
6Un autre aspect plus exploratoire – mais non moins fascinant – de l’édifice théorique proposé par Emmanuelle Kadya Tall concerne le versant pragmatique de la théorie de Louis Marin et ses implications pour une théorie plus large de la transmission religieuse. Cette approche préconise en effet de prêter une attention particulière aux dispositifs par lesquels les dieux africains et autres ancêtres adviennent et se manifestent au cours des diverses célébrations qui composent la Fête-Dieu. En d’autres termes, cette approche nous pousse à repenser ce que pourrait être une théorie du fétichisme, c’est-à-dire la place et l’influence de la matérialité et des pratiques d’un culte dans sa transmission. L’auteur a bien mis en évidence « l’air de famille » entre les pratiques fétichistes catholiques et africaines, au-delà du discours accusateur propagé par la Contre-Réforme et son bras policier, l’Inquisition, aux xviie et xviiie siècles. Les origines historiques de cette orientation cognitive, situées en l’occurrence dans « les étiologie du malheur et de l’infortune au sein de l’espace Atlantique Sud », ne peuvent en aucun cas être niées ou occultées. On peut toutefois suggérer une autre piste analytique en déplaçant la focale vers les processus mentaux potentiellement universels au fondement dans cette « orientation cognitive ». Il semble en effet que ce que décrit Emmanuelle Kadya Tall dans le rituel de la Fête-Dieu relève à la fois d’un contexte sociohistorique singulier et de mécanismes cognitifs susceptibles de faciliter l’apprentissage de certaines croyances et pratiques plutôt que d’autres. De tels processus, dans le contexte de la Fête-Dieu, toucheraient essentiellement aux transformations ou glissements ontologiques5entre les différentes catégories d’objets et d’individus impliqués dans le rituel, à savoir les objets et substances manipulées, les animaux, les entités invoquées (le Christ, Oxóssi) et les personnes qui y prennent part. Ainsi, des personnes sont amenées à devenir des dieux à travers la transe de possession religieuse et des objets sont amenés à devenir des dieux ou de véritables prolongements du corps des initiés à travers leur manipulation rituelle6. Dans la Fête-Dieu étudiée, la transubstantiation, en tant que doctrine et pratique liturgique, ne serait ainsi que la forme singulière, historiquement identifiée et datée, d’un processus beaucoup plus universel de transformation ontologique à l’œuvre dans la plupart des rituels sacrificiels et de possession à travers le monde. Les ontologies à l’œuvre dans le candomblé, même si elles s’avèrent en partie dépendantes de dynamiques et contextes sociohistoriques, prennent appui sur des processus mentaux potentiellement partagés par tous les êtres humains. En d’autres termes, notre architecture cognitive impose, parfois dès la naissance, des orientations ou « pentes inférentielles »7 qui facilitent certains apprentissages, et qui demandent elles aussi à être prises en compte pour mieux comprendre les ressorts pragmatiques de la transmission religieuse (ou culturelle). La question du terreau sociohistorique posée par l’auteur du présent ouvrage gagnerait par conséquent à être prolongée par un questionnement anthropologique plus large: comment des processus mentaux et des dispositifs matériels interagissent-ils pour produire en même temps de la récurrence psychologique et de la variabilité historique ou culturelle ?
7L’ouvrage d’Emmanuelle Kadya Tall, de par l’articulation fine entre matériaux ethnographiques et historiques, invite donc au dialogue entre diverses approches des faits culturels et religieux au sein de l’anthropologie. Il est destiné à devenir un classique des études afro-brésiliennes, dont il faut espérer que les afro-brésilianistes et les tenants actuels des candomblés orthodoxes et des militants de la cause « noire » s’inspireront.
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Notas

1 À l’exception de l’un ou l’autre temple ayant opté pour l’éradication de toute image chrétienne. Voir Stefania Capone, La quête de l’Afrique dans le candomblé. Pouvoir et tradition au Brésil, Paris, Karthala, 1999.
2 Renato Ortiz, A morte branca do feiticeiro negro. Umbanda, integração de uma religião numa sociedade de classes, Petrópolis, Vozes, 1978.
3 Paul Christopher Johnson, Secrets, Gossip ,and Gods. The Transformation of Brazilian Candomblé, Oxford, Oxford University Press, 2002.
4 « Partagée » n’est pas ici synonyme d’identique, mais renvoie à des expériences diversifiées qui puisent leur singularité dans une même situation sociohistorique.
5 Par ontologie, j’entends essentiellement la nature des choses et des êtres telle qu’appréhendée par les individus au travers de pratiques sociales.
6 Voir notamment, sur cette approche, Roger Sansi-Roca, « The Hidden Life of Stones:Historicity, Materiality and the Value of Candomblé Objects in Bahia », Journal of Material Culture, 2005, 10(2), p. 139-56 ; Maurice Bloch, Essays on Cultural Transmission, Oxford/New York, Berg, 2005 ; Pierre Liénard, « The Making of Peculiar Artifacts : Living Kind, Artifact and Social Order in the Turkana Sacrifice », Journal of Cognition and Culture, 2006, 6/3-4, p. 343-73 ; Márcio Goldman, « How to Learn in an Afro-Brazilian Spirit Possession Religion : Ontology and Multiplicity in Candomblé », in David Berliner, Ramon Sarró (éd.), Learning Religion. Anthropological Approaches, Oxford, Berghahn Books, 2007, p. 103-119 ; Arnaud Halloy, « Objects, Bodies and Gods. A Cognitive Ethnography of an Ontological Dynamics in the Xangô Cult (Recife – Brazil) », in Nico Tassi, Diana Espirito Santo (éd.), Making Spirits Materiality and Transcendence in Contemporary Religions, Londres, I. B. Tauris (sous presse).
7 Fabrice Clément, « L’esprit ensorcelé. Les racines cognitives de la sorcellerie » in Terrain, n° 41, 2003, p. 121-136.
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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Arnaud Halloy, « Emmanuelle Kadya Tall, Le candomblé de Bahia. Miroir baroque des mélancolies postcoloniales », Cahiers des Amériques latines, 70 | 2013, 171-176.

Referência eletrónica

Arnaud Halloy, « Emmanuelle Kadya Tall, Le candomblé de Bahia. Miroir baroque des mélancolies postcoloniales », Cahiers des Amériques latines [Online], 70 | 2013, posto online no dia 01 Junho 2013, consultado o 13 Dezembro 2016. URL : http://cal.revues.org/2427
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Autor

Arnaud Halloy

(Université de Nice-Sophia Antipolis/Lapcos)