Monday 27 November 2017

AS SERRAS DE UNA


I.

no silêncio da sala
assisto a boca do dia

amanhecer teu sono
suando as têmporas,

enquanto dormes,

cuidamos do futuro
plantando o fruto

do presente colhido
no passado da hora exata

em que o nó se desata
navegando ao leme atado

ao remo que move as águas.

II.

da aldeia
ao pé da serra

onde caçávamos
eu, eles e elas

vimos o mar
entre nuvens

(da morada de samambaias)
entre as Serras de Una

e esse anarquismo indígena
selvagem Caraíba

– guia indomável.

III.

acordo, e

enquanto
ela faz uma fogueira
de galhos e folhas azuis,

faíscam por dentro das águas
luzes que avermelham o firmamento

a noite logo chega

saímos para encontrar
caititus, locas, elefantes

caçar a cura das memórias,

e (no meio da trilha) um 
bando de bugios comiam

logo na mais próxima aldeia
estamos a refundar as tribos

da terra a povoar 

aos montes os mares y praias 
e a aprender a sarar as pragas.

Thursday 16 November 2017

Yawò dos Orixás E eu Yawò dele(a)!

: : o contorno
do dorso,
a pele
do colo,
a calma
da tez,
da planta
que brilha
em chamas azuis
incendiando a escuridão,
na distância
da surpresa,
que antecipa
a previsão,
presente de
um afeto, futuro :: a curva
do sítio,
onde a luz
se derrama
sobre a noite
e aquece
: as horas;
a cura
que vem,
pela paz
de saber,
que a linha
que liga,
o elo
ao vento,
sopra dentro,
da pedra,
do tempo,
da carne
que inspira
a leveza
de um toque
pra sempre gravar
o corpo no corpo,
corpo que dorme,
sob o sol noturno
e sobre a terra
a mata abraça
e medra a erva
queima e incensa
a hora certa
em que tua cabeça
descansa em meu peito
e que se aninha
em meus braços
teu abraço, arco de mim,
metade não dividida,
como Oxalá e Oduduwa,
amantes numa única cabaça,
a recriar a Terra e tudo que
há e voltará a haver e criar
– amor : :



Tuesday 7 November 2017

M.


A aguardente escorre e coalha,
a água aglutina sua última gota,

e a diferença entre água e o sangue
está na hemoglobina, pode até ser,

porque entre nós e o outro, está o corpo,
disforme força, confusa fome abrupta?

mas agora é distante a cor da blusa rubra da
moça moscovita que se era judia ou cigana,

(está aí uma lembrança impossível)

se Sônia ou Karenina alguma, de algum
Raskólnikov, faz anos vezes rios...

O outro, o moço tinha trinta anos e usava
próteses no lugar dos dentes (ou aparelhos,

também não lembro, ao certo) mas seu sorriso

era um triste sinal de desespero. O moscovita
traga o chineps enquanto sangra pelas gengivas

goela abaixo. A essa altura não há mais luzes em
Stalingrado ou Atibaia, para lermos com os mortos

Boris Pasternak ou outro russo qualquer.

A esta hora uma ilha está quase a desaparecer
no Pacífico Sul, ou até mesmo no sul da América
do Norte algumas cidades podem desaparecer,
(quanto mais um partido) basta “alguém” apertar um botão.

Adolescentes usam botons, quando eu era adolescente
Gostava de jogar futebol de botão com meu primo que

Hoje em dia gostava de beber em Forlan, que foi assassinado.

Eu me lembro da última água-de-coco
que tomei em seu quiosque, da sua barca
branca rebaixada e da sua companheira
médium do Caboclo Boiadeiro.

(Forlan é também o nome de um futebolista uruguaio)

Hoje eu escutei o Exu de Oxalá, cavalo de deus no mar
e caminhei pelo silêncio de semblantes sisudos como
se todos estivesses mortos em Moscou, na Coréia do
Norte ou no Japão.

Mas no final de tudo ainda temos café com canela
para socorrer o cinema.br de cair no abismo do abuso

e desuso, longamente enternecido, de ternura entretecido.

Sunday 5 November 2017

RANCA-TOCO

no teu colo
eu sou

a cria, a ceia,

uma sereia
eu seria

no teu colo

a cura da criatura
– eu colho –

no teu olho,

o globo
grava a gaivota

voo raso
no lago

ao lado
da canoa

que range
às ondas

e carrega
as cordas

e coroas
do reinado.

ainda no poti
pôs as cores

e fez cócegas
no nariz,

e eu ri, aqui,
sozinho mesmo,

porque
entraste
no ninho,

e fizeste
morada

em meu
caminho,

e naquela
mirada

deixei de
ver-me

e passei
a ver-te

(verde
pasmo)

e ouvir-te
em vez

de ser-me,
e tu e teu


tato, língua
no palato, eu


colho às folhas

a voz que vulcaniza
as horas

que ao peito
arrebato, e

simplesmente,
de ofá e laço,

muiraquitã
e com vestes
de calhamaço,

no auge da aurora,
só agora, rompe-mato.