Monday 7 May 2018

Carla Diacov - sons - colo


sons - colo

deita o garfo mudo no meu colo
diz coisas incompreensíveis sobre o amor
diz coisas domesticáveis sobre a vida e o ódio
diz não saber separar a morte da morte momentânea
diz a aflição sobre a comunicação entre gatos
deita a faca nua no meu colo
diz coisas interditadas sobre uma ideia de flor
diz coisas debaixo das unhas dos mortos
entre seus cabelos
deita o prato sujo no meu colo
diz coisas e diz e dança os dedos
deita o copo trincado no meu colo
diz coisas diz coisas e tudo que escuto é o rasgo nesse nosso manso idioma



“Só não besunto a cabeleira.”
Trabalhou na empresa tou teatro
Trabalhou como Empacotadora " Pacote " na empresa Poetry
Trabalhou como Empacotadora na empresa Poesia
De São Bernardo do Campo

Tomaz Amorim - à rosa

trabalhando na edição do meu primeiro livro de poemas que sai no meio do ano. este aqui se chama
à rosa
um brilho forte, uma luz clara
uma manhã branca de inverno
me equilibro desajeitado sobre minhas pernas gordas
inclino o peito para frente e elas seguem
direita e esquerda, uma depois da outra, rápidas para que eu não caia
se quero parar, estico de súbito as costas com cuidado para não virar para trás
nessas curtas corridas, sinto meu peito frio
a baba empapando a blusa de lã se resfria com o vento
incontrolável
sob cuidado permanente
a confiança de que tudo vai ficar bem
sempre tempestuoso, ágil
mas esperto
o espaço destinado ao jardim
que ainda não se concretizou
um cercadinho de blocos vermelhos não rebocados
uma terra marrom talvez autóctone
talvez resto da construção recente da nossa casa
provavelmente mistura dos dois
não cresce ainda a roseira que nos presentearia todo ano, minha mãe
não cresce o pé de café (que nunca colhemos, torramos e bebemos), meu pai
não cresce a palmeira de três corpos siameses, cada uma um herdeiro, minhas irmãs e eu
não sei se a tartaruga já estava lá
vivendo autônoma do próprio jardim
nunca tivemos tempo de dar um nome a ela
(embora tartaruga mesmo seja um nome, e bastante legítimo)
neste pré-jardim, eu, desatento das dores do mundo
tomando você como seu suporte
toda poderosa, benevolente, justa - imortal
que criança pensa em mortalidade?
nenhuma, nem eu, pelo menos até a morte do simba
um pão com manteiga onipresente
um café com leite que hoje já não tomo
um silêncio, uma melancolia transmitida geneticamente
e pelo tipo de sorriso, de olhar
uma cor: cor de rosa
e azul
uma vivência em si, sem função, para ninguém
na verdade, para nós
meu corpo explodindo de energia, gana, curiosidade
em oposição àquela calma
incompreendida então mas aceita
hoje procurada, rara
há algo nesta cena que não é movimento
não é filme, nem mesmo fragmento
nem mesmo um curta-metragem
mas não é também fotografia, mesmo que em longa exposição
não é pintura, mesmo que expressionista
é algo que talvez se move um pouco, sim
para quase em seguida reiniciar
um balanço vagaroso de vagas numa lagoa
um pequeno movimento repetido à exaustão
algo que depois que eu também for
em algum lugar, algum bolsão-ternura do universo
se manterá, em repetição, sem envelhecer
ao contrário da rosa
como a até agora eterna tartaruga
esse tai-chi em gif
ficará e fica em um lugar
em um recife denso
logo após os limites
da ilha-tempo


tomazizabel.blogspot.com / www.revistaforum.com.br/tomazamorim
Colunista na empresa Revista Fórum
Doutorando na empresa USP - Universidade de São Paulo
Gere Blog de Tradução Literária

Wednesday 2 May 2018

A CERTA ALTURA


A certa altura
A dobra do arco
Se encontra no ar
Com a reta da flecha.

A certa altura
A raiz do dendezeiro
Se encontra no terreiro
Com a terra natal.

A certa altura
A rocha da pedreira
Se encontra na alameda
Com o estrondo do trovão.

A certa altura
O ato falho denuncia,
A coisa dada e a tortura
São um mal que atrapalha,

Como ser coisa canalha
Mentir a cara alheia.
O sangue assim que corre
Pelo corpo, pela veia

Assanha a sanha, desperta a flora
Acorda a fauna e apavora
Quem crê na hipocrisia.
E a maresia, que antecede a calmaria,

Vem a noite e vem o dia
E enquanto amanhecia
Eu me encontraria, com
As criações de encantaria.