Thursday 14 December 2017

​[OUTROS CANTOS DA TERRA]

[OUTROS CANTOS DA TERRA]

“no tempo das catástrofes”

Qual o teu pensamento
antes de adormecer?
O último pesadelo?
Como está o teu ori?

Qual o tamanho
do medo do mundo?
Até quando resiste
a próxima moda:
à próxima moeda,
à próxima esquina?

Avalanche de sangue
descendo a encosta
                                           [no alto da janela,
ressaca inundando         
                                              o vão da sala
entre poltronas, puf’s e bibliotecas
e os outros cômodos         
                                       da casa
– os últimos cantos        
                                                       da terra.
Turbulências marinhas
acompanham as pedras
que rolam
                     da Pedreira,
visitam-me
Oyá e Odoyá –
visitam-me –
o vento rasga o rio,
o raio rasga as águas
que a tudo arrastam,

mergulho em
mágico cogito
contra a sádica
censura – cínica
usura – cegueira
luminosa de vespa
contra o ser irradiado
e sua cabeça
cuspindo fogo,
asas, zumbidos...

a golpes de foice,
faca, facão
a mão contra
a terra atenta
e roça a alma
– lavraquática –
pantanal de si,
por onde atravessam
rebanhos de paisagens...




I.

Há um sol

que sai sob
a gameleira

enquanto ela
(ensimesmada)
me ensina sobre
:
a temperatura das almas,
os poros da terra
e as asperezas
do chão.




II. 

Depois,

depois do delírio
dos dedos dos deuses

o delírio da boca das deusas
e seus lábios e línguas de fogo,

lapsos, lacerações de lâminas afiadas
feito foice feito farpas


ou a ponta de uma unha encravada
no canto do dedão do pé esquerdo,
ou um cisco nos olhos vermelhos,
enquanto se insinuam 

as trovoadas atravessando as tardes...




VERÃO 2017/2018

o homem come
a palavra sal,

o sol come
a palavra terra

a terra come
a palavra homem.

se sou eu, ou é você,
melhor, se sou você

ou se você sou eu: essa
é uma ótima questão.

da cabeça emborcada
se esparramam pelo espelho

a planta de sombra que arde,
ácida, iluminada, acima da
luminária incandescente,

coloridas velas perfumadas
na prateleira sobre o cacto,

nas paredes penas penduradas –
araras, pavão, akikós – conchas,

caramujos, sementes espalhadas pelo
chão da aldeia; da ocarina soam

vozes dos antepassados calcinados
ali mesmo: sal sob a terra, elevados

aos céus, sol sobre a terra, em tudo
há paz em doses de pó, um dedo de
deus, uma química atlântica.





IV.

                                                                       p/ Carla Diacov


a mão,
a mão esquerda
que encampa
a lapiseira
escrevinha
o sangue
da madeira
no veio, na vinha
: sons de sonetos
nos céus do ócio
descem odes de Odessa
em direção ao nada
pelo Mar Negro, de lá
Maiakovski manda-me
lembranças
morte a magnânima magnificência
e esquecimento às montarias aladas
em Montmartre & Montparnasse.

companhias ainda podem
ser revolucionárias,
mas a solidão também,
não as desperdice
por instantes
banais de euforia.

antes a fúria
que a euforia,
antes a foto
que a selfie
não flagre,
antes o
silêncio avermelhado
qual pavilhão oriental
dobrado sobre o soviético
caixão do terráqueo comunista

Mas e a fome?                                     


V.

o rio parte,
o mar reparte
e os galhos despejam
pássaros aos postes
passando em revoada
pelos fios de alta-tensão

é tempo de muda
e as ruas avisam
(em alarme)
ao menor ruído
a porta de saída
está aberta, mas
não escancarada.




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