Tuesday 20 March 2018

MEDITAÇÃO CHILENA


A essa altura lembro-me do texto de agradecimento de Zurita pelo Prêmio Iberoamericano de Poesia Pablo Neruda que circulou aqui na rede, meio como um viral para poetas e literatos que ainda estão nas redes sociais. Por esses dias, o Chile anda por perto, perto demais, ronda-me em espectros. Ontem Parra, centenário; Bolaño, realista-visceral.

O Brasil temerista, tão nazi-fascista quanto outras ditaduras, nos evoca nossos próprios fantasmas. Os poetas (se perguntam?) o que podem contra tal e tamanho estado de coisas."Oarmarinho", livro novo de Laura Castro, nos ensina palavras como "fiquesão". Fique se puder, se souber, se estiver ainda em sua própria estação. Eu, assisto sombras passearem contra luz da luminária lamparinando pensamentos.

Recordo, agora, não por acaso, de ter conhecido e convivido com a Barbara Martinoya Vicuña, irmã de Cecília Vicuña, artistas chilenas ligadas às lutas contra a ditadura,em seu país, assim como Zurita, (via Santiago e o deserto do Atacama.) Lembro-me de Ramona, sua personagem/modelo preferida representada em tantas telas que a mesma fazia por toda a casa em óleo, guache, carvão. Acabei de descobrir que preciso escrever algumas coisas que ando guardando.

Estão se esgotando as horas da vida por aí, andam nos esganando em silêncios. Camisas pretas nas áreas, de serviço a cavalaria desfila e desafia o cotidiano das ruas e botas pretas perfumadas de sangue esmagam as flores nos nossos jardins, lentamente. Não me digam, não me deixem dizer nada que seja um som soturno ou uma resposta banal à qualquer um dos absurdos incomunicáveis desses dias.

Como vespas cegas contra as luzes que faíscam sinais silenciosos e cigarras que zoam e urram as seis e meia, toda noite há uma série de fugas noturnas pelas teclas, pelas telas, pelos cômodos das casas, inúteis escapes, forças futuras renderão, incontornáveis fraturas, incontáveis torturas, carnaval e suicídios, romances e antipoemas são suplícios para um verão selvagem onde "As mentiras são tão fortes quanto os assassinatos. Um país que mente sobre a ditadura é um país não solidário, egoísta, arrivista, individualista".
Saturninos, meditamos.

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