Tuesday 13 December 2016

INCONSCIENTEMENTE-ÍNDIOS

 Acabo de chegar de uma experiência (extra)-ordinária. Acabei de fazer um trabalho maravilhoso. Com uma sensação de paz indescritível. Mas com uma vontade imensa de compartilhar e extravasar toda essa alegria tão emocionante. Acabo de acompanhar a chegada/trazida do par (cabocla/caboclo) de Cachoeira, onde estavam, na Praça da Aclamação, para onde foram levados da Rua da Feira para os "festejos" de 25 de junho. Hoje, dia 27, acompanhei desde a outra margem a vinda deles até aqui, em São Félix, onde na Praça 2 de Julho, praticamente na esquina da rua onde nasci e vivi por quase 20 anos, muitos aguardavam a chegada do cortejo. Políticos, hinos, militares, populares, toda sorte de figuras públicas e anônimas enchiam as ruas, as filarmônicas União Sanfelista e Minerva Cachoeirana foram responsáveis pela trilha sonora. Estou cheio de vida, sabe-se lá em especial pelo quê, mas sinto um profundo pundonor.Uma sensação nova, a de estar em casa e ser total, sem circunscrição de minhas ações, sem pudor de meus atos, captei o áudio das rodas dos carros dos caboclos rangendo no chão de pedras e sobre a ponte metalizada, os áudios dos estouros das bombas e dos gritos de "Viva Caboclo!". Extremamente bem acompanhados por membros do povo de santo das duas cidades, aqueles encantados triunfaram sobre o trânsito, sobre o caos das cidades, sobre indiferença tão comum, sobre o possível romantismo ideológico ou um pseudo-folclorismo tão caracteristicamente atribuídos a certas manifestações da cultura e sociedade baiana. Nem civismo nem representação, nem solenidade nem burocracia de estado, apenas a terra reclamando sua primazia ancestral, apenas a herança que nunca se perdeu, os índios, ah...que gente impressionante, que fibra moral e existencial tão tenaz, que após séculos e séculos de extermínio deliberadamente organizado pelo Estado brasileiro, eles - nós - os índios ainda fazem/fazemos esse mesmo estado de homens públicos cruzarem suas cidades para nos reverenciar: realmente, nos devem e muito, para em plena segunda feira, pós São João, estarem empalitozados no clima mui ameno do recôncavo nesta época, em busca de alguma atenção pública e mais alguns votos. Mas no entanto, sua frágil peripécia não se compara aos presentes que lá mesmo em-e-ao ovacionar aqueles vultos da história e da cultura nativa, atualizam o emblema e revestem o presente de uma fina camada de sereno, que ilumina e re-brilha o estandarte eternizado de um passado que, seguramente, insiste em não abandonar a sucessão de devires históricos e cosmológicos, para cada um e suas famílias, que conhecem a natureza da guerra tornada mito e do mito da guerra tornado memória. sempre atual e acesa em chamas, senão no cotidiano, mas sim no inconsciente-índio de nossos contemporâneos de quem éramos e de quem devemos, por força e direito a uma razão ontológica, tornarmos a ser: índios.

Auerê / xetu marrumba xetu

Gratidão ao cosmo.

No comments:

Post a Comment